Música
16 abril 2024

Discos

Tempo de leitura: 3 min
«A Dúvida Soberana» e «Missa Solemnis – Beethoven Révolution» são as nossas sugestões musicais para este mês.
António Marujo
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Pode num disco caber o cinema, a poesia, a literatura, as caravelas, o mundo, a juventude e a velhice, os pescadores e as mulheres de xailes negros em terra, a bruma dos Açores e luz de Lisboa, os migrantes e os faroleiros? Pode. Sobretudo se estivermos diante de uma obra genial que é também uma afirmação e celebração da liberdade, 50 anos depois da «madrugada que eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo» que Sophia evocou. Quem pôde ver algum dos recentes concertos do açoriano Zeca Medeiros, ficou seguramente rendido a este talento imenso, só comparável ao oceano que rodeia as «ilhas desconhecidas».

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Os tesouros do disco começam pelo título: A Dúvida Soberana recusa a lógica que tantos povos submete em nome de obscuros interesses financeiros; e afirma também a importância das perguntas. Continuam nas respostas dadas, na celebração do amor, da universalidade, da viagem... Fado Travessia, por exemplo (com a belíssima voz de Filipa Pais): «Eu sei meu amor/ que esses teus luzeiros/ serão véus de fogo na fímbria do mar/ sei do teu fulgor/ madrugando o meu olhar.”» Um disco (e um DVD) obrigatório, nestes tempos de celebração pela liberdade. 

Título: A Dúvida Soberana

Autor: Zeca Medeiros

Edição: Tradisom

https://tradisom.com/produto/zeca-medeiros-a-duvida-soberana.

Disponível também em lojas e nas plataformas digitais

 

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Enquanto Beethoven compôs esta Missa Solemnis (1819-1823), a guerra assolava a Europa. Por isso ela é uma forte expressão da angústia perante a morte e a guerra, e ainda, escreve Jordi Savall, uma afirmação de esperança na eternidade – o recitativo no Agnus Dei («Cordeiro de Deus, tem piedade de nós») sintetiza esses sentimentos. Como dizia o compositor André Boucourechliev, a inspiração da Missa manifesta a fé e a confiança na vontade e na bondade humanas – e a importância dos coros e da voz traduzem isso mesmo. Savall recorda ainda, citando Romain Rolland, que, não por acaso, depois de concluir esta obra, Beethoven terminou a Nona Sinfonia e a sua Ode à Alegria. No texto de apresentação, o maestro catalão refere ainda uma dimensão original que podemos ler nesta obra e nesta interpretação: com agrupamentos «independentes» e menores do que os das orquestras tradicionais, este é também um contributo para «uma sociedade mais justa, mais humana e inclusivamente mais ecológica»; e o próprio Beethoven, na afirmação autónoma da arte, recusava também a dimensão mercantil em que temos transformado o ser humano. A Missa Solemnis, «testamento» da vida de Beethoven, com um «inovador potencial espiritual», é também um exemplo maior da música como «linguagem verdadeiramente europeia» – e, porque não, universal. Obra maior, num tempo que exige que sejamos maiores.

Título: Missa Solemnis – Beethoven Révolution

Intérpretes: La Capella Nacional de Catalunya e Le Concert des Nations; dir. Jordi Savall

Edição: Alia Vox | Disponível em lojas e nas plataformas digitais

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EDIÇÃO
Novembro 2024 - nº 751
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