Em 2011, o Codex Calixtinus, concluído à volta do ano 1160, foi roubado da Catedral de Santiago de Compostela. Quase um ano depois, foi recuperado pela polícia em Milladoiro, uma localidade próxima da cidade galega, juntamente com outros livros antigos.
O Codex inclui, no primeiro dos seus cinco livros, a música para as festas anuais de Santiago, que se realizavam à volta de 25 de Julho (dia de São Tiago) – e que continua a celebrar-se, como acontecerá de novo no final deste mês –
e 30 de Dezembro (trasladação do corpo do santo para a Galiza).
Como explicam ainda Mercedes Hernández e Fernando Reyes na apresentação do disco, o apêndice do Codex inclui vinte peças polifónicas e o canto de peregrinos Dum Pater Familias: «Pelo propício Santiago/ esperemos o perdão/ e demos dignos louvores,/ que lhe devemos como/ obséquio merecido,/ a tão grande Pai.// Senhor Santiago,/ bom Santiago/ e ultreia e suseia/ Deus, protege-nos.» (Ultreia e suseia eram saudações usadas pelos peregrinos: ultreia significaria «vai em frente, coragem», enquanto a resposta se pode traduzir por «vamos lá, estamos juntos».) Nas festas de São Tiago, a música (e a dança) «não parava de tocar e chegava a ter uma presença e importância difíceis de imaginar hoje».
Neste trabalho do Resonet, as músicas do Codex (já registadas várias vezes em disco por diferentes grupos) como que culminam um percurso que o grupo vem fazendo nos últimos anos, dedicado à música do Caminho de Santiago. Das mais de duas dezenas de discos já gravados, uma dúzia é dedicado a esse projecto; entre eles, este Canto de Ultreia e também o Festa Dies: La consagración de la Catedral de Santiago de Compostela, 1211, são dedicados à música do Códice Calixtino e a dos peregrinos. Cantares Galegos (poemas de Rosalía de Castro), Canto de Nadal (músicas tradicionais galegas de Natal) e Cantiga: Trobadores de Galiza e Portugal, são outros registos do Resonet, que foi buscar o nome a uma das músicas do Codex.
O disco duplo foi gravado junto do Pórtico da Glória, a outra jóia de Santiago, cujas esculturas representam um notável conjunto de instrumentos musicais da Idade Média. Como se explica ainda na apresentação, o registo sonoro fez-se com os músicos e cantores voltados para o altar e a imagem de Santiago, como peregrinos acabados de chegar, tirando partido da acústica da catedral, do espaço cénico e também da mística que o lugar foi criando e que hoje continua a atrair muitos que se fazem ao Caminho. Perpetuando a peregrinação que ao longo de séculos, ao largo de muitos caminhos, milhões de pessoas fizeram, rezando com os seus pés, agradecendo, buscando a cura das feridas, encontrando sentidos na vida. A música eterna deste duplo disco extraordinário aí está para nos ajudar numa peregrinação virtual, musical e espiritual.
A não perder.
Título: Canto de Ultreia – Músicas de Santiago de Compostela, s. XII – Codex Calistinus, cantos de peregrinos
Intérpretes: Resonet; dir. Fernando Reyes
Edição: Gaudia | resonet@mixmail.com