Música
15 setembro 2024

Discos / Setembro 2024

Tempo de leitura: 3 min
O disco Rahawan de Haya Zaatry é a confirmação de uma voz original, colocada sobre uma música de base acústica e melodicamente muito bonita e transparente, com incursões pelas suas raízes árabes
António Marujo
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Na música «Summer Storms» (Tempestades de Verão), Haya Zaatry canta: «Com que voz hei-de cantar?/Que melodia me levará/ Que palavra escolherei/ Antes que tudo se desfaça?» E responde: «Sobre os pássaros que pousam nos telhados da cidade/ Das nossas casas abandonadas, que habitamos/ […] O tempo que me ensinou/ A confiar em nós/ A amar o esquecimento, vê-lo como liberdade/ […] Aprender a perdoar, mesmo a perda/ E a acender a luz...»

Esta é uma música pela paz no meio da guerra. A palestina Haya Zaatry parecia antever com estas palavras – quando publicou o seu último disco, Rahawan, em 2022 – a tragédia que se abateu de novo sobre o seu povo, desde o ataque terrorista do Hamas em 7 de Outubro de 2023 contra Israel. Esta obra é a confirmação de uma voz original, colocada sobre uma música de base acústica e melodicamente muito bonita e transparente, com incursões pelas suas raízes árabes que lhe dão um tom ao mesmo tempo próximo e remoto. 

A história começa com o passaporte da bisavó de Haya, Nazira Rahawan, que dá nome ao disco. A música e arquitecta arrumava com outra familiar os pertences de uma tia-avó e descobriu o salvo-conduto da bisavó, que viveu entre 1890-1972, onde Zaatry viu pela primeira vez Palestina, escrito num documento. Segurava um «tesouro»: a bisavó nasceu em Damasco (Síria) e viveu depois no que hoje é Israel: Nazaré (onde a bisneta nasceu) e Haifa (onde Haya vive há uma década). «Foi a última pessoa da família de Haya que viveu e vagueou livremente pela terra, antes da imposição forçada de fronteiras», resumia-se na apresentação do Festival Músicas do Mundo, de Sines, onde Haya actuou em Julho. 

É essa simultânea «liberdade e pertença», bem como «todas as tristezas, perdas, amor e opressão que rodeiam a vida quotidiana de Haya», como se lia na nota de imprensa de Rahawan, que o disco recupera. Dessa forma a cantora homenageia as mulheres árabes e palestinas que, no Levante (Síria, Líbano, Israel, Palestina) há muito circulavam livremente... «As fronteiras não fazem sentido, especialmente quando são impostas violentamente e destinadas a apagar sistematicamente a identidade” dos palestinos», dizia Haya Zaatry em entrevista recente ao jornal digital +972. Em Borders & Promises (Fronteiras e Promessas), de 2015, já ela cantava: «Até agora, não importa o quão perto/ O mesmo mar e costa/ (...) Não exatamente a mesma gaiola/ Mas o mesmo pássaro ferido.»

«Alouli» (Eles contaram-me), a belíssima segunda música do disco, fala de como um sistema patriarcal asfixiante retirava liberdade às mulheres. A par do já referido «Tempestades de Verão» de Rahawan, a primeira música, que recupera o folclore da Palestina ou ainda «Plumeria» (onde se escutam as pulseiras da avó que Zaatry herdou), «Ishtar» ou «Tabula Rasa». 

Esta é uma música de pássaros feridos que acendem muitas luzes.

 

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Título: Rahawan

Autora e intérprete: Haya Zaatry

Disponível nas plataformas digitais

 

 

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Discos
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EDIÇÃO
Novembro 2024 - nº 751
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