O título deste disco é um pequeno manifesto do real: “O céu tem a mesma cor em todo o lado”. O iraniano Kayhan Kalhor é o mais importante executante de kamancheh, violino persa de espiga de quatro cordas e arco curto, que se toca de joelhos, como montando “um cavalo selvagem”, na expressão do músico, que já tocou com o Kronos Quartet ou o Rembrandt Trio, entre muitos outros. Toumani Diabaté, que nascera em 1965 e morreu em Julho, em Bamaco (Mali), era o mais exímio tocador de corá da África Ocidental, harpa-alaúde de 21 cordas, uma cabaça, pele de vaca e linha de pesca. Vencedor de três Grammys, acompanhou Ali Farka Touré, Björk ou a Sinfónica de Londres. Nascido de um improviso na Alemanha em 2016 e gravado só em 2023, o disco é (mais) uma profunda experiência meditativa e espiritual na afirmação da possibilidade do diálogo mesmo com línguas, instrumentos ou culturas diferentes. É a expressão da universalidade e uma espantosa afirmação de paz para dois países que já foram sede de impérios de grande densidade cultural e que estão hoje sujeitos a uma ditadura teocrática (Irão) e a atentados terroristas frequentes (Mali). A imensidão do deserto ou o «transe» espiritual que esta música convoca expressam a fragilidade humana e a simultânea possibilidade de superação.
Título: The Sky is the Same Colour Everywhere
Autores e intérpretes: Kayhan Kalhor e Toumani Diabaté
Disponível nas plataformas digitais
Veja e ouça um excerto do disco:
Há música na poesia de Guerra Junqueiro, escreve Henrique Manuel Pereira no «prefácio» a este disco. Assim é: a música foi composta por Alfredo Teixeira, que tem trabalhado a partir do património poético, dando destaque à voz, com frequência «em diálogo com instrumentos solistas ou formações instrumentais». Mas a música já lá está, na forma como Junqueiro «reza» esta Oração à Luz. Conhecido pel’A Velhice do Padre Eterno, obra cimeira do anticlericalismo, a poesia de Junqueiro manifesta um profundo misticismo. Esta obra é exemplo disso: na busca de uma linguagem meditativa, onde a voz se impõe docemente, busca o silêncio nos interstícios da música, que contempla e promete, a partir deste símbolo do Natal por excelência: «Luz das estrelas, vaga luz silente,/ Cai dos abismos do mistério ardente,/ Sangra calvários infinitamente,/ Para eu rezar! [...] E cantando, E lutando, E sonhando, E chorando, E rezando, Farei da cega luz que me alumia/ A luz espiritual do grande dia, A luz de Deus, a luz do Amor, a luz do Bem...» Como recorda Henrique Manuel Pereira, Junqueiro procurou «o segredo íntimo das coisas». E Fernando Pessoa dizia que «de um canto à luz tira Junqueiro uma das maiores poesias metafísicas do mundo». O disco e a sua música assim o confirmam.
Título: Oração à Luz
Autores: Guerra Junqueiro (poemas) e Alfredo Teixeira (música)
Intérpretes: Joana Moreira (piano) e Miguel Maduro-Dias (voz)
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Veja e ouça um dos temas do disco: