Música ortodoxa finlandesa? À primeira vista, pode parecer estranho, pois pensamos na Escandinávia como terra predominantemente luterana. Ivan Moody explica que a história ortodoxa finlandesa começa no século xii, com o comércio entre Novgorod e a Carélia (região hoje dividida entre a Finlândia e a Rússia). A criação de alguns mosteiros acabou por revelar-se crucial para a expansão ortodoxa. A região seria vítima de lutas constantes entre a Suécia e a Rússia e só a independência finlandesa, depois da Revolução Russa de 1917, permitiu à Igreja do país ganhar estatuto autónomo, ligando-se ao patriarcado ecuménico de Constantinopla. Embora mantendo as raízes russas do canto, isso permitiu criar uma expressão própria na liturgia que, consoante os compositores, passam por uma relação intensa entre música e texto, pela recriação de peças tradicionais ou pela acentuação do diálogo entre técnica musical e emoção. O disco completa-se com uma criação de Ivan Moody, protopresbítero ortodoxo (o único não-finlandês a participar, mas que tem trabalhado no país e, em algumas temporadas, também em Lisboa): Ó Vós, Apóstolos é destinado à festa da Dormição da Mãe de Deus e inclui uma parte em ritmo de canção de embalar e outra em marcha fúnebre. São Luzes do Árctico, como diz o título do disco.
Título: Arctic Light
Intérpretes: Capella Romana
Direcção: Ivan Moody
info@cappellaromana.org ou www.cappellaromana.org
Este disco abre com uma canção de embalar, em diálogo entre uma voz terna e um violino que primeiro sublinha a melodia, depois como que acentua uma alegria serena e melancólica: «Levem-no ali, depois tragam-no de novo até mim, mostrem-lhe as árvores em flor e os pássaros a cantar…» Logo depois, uma música instrumental de grande intensidade dançante completa a apresentação das intenções do disco: um «magnífico programa musical que reúne os mais belos cantos e as mais belas danças das antigas tradições cipriotas», constituindo «uma verdadeira revelação», como diz Jordi Savall na apresentação desta colecção de treze peças musicais escolhida por Dimitri Psonis, um dos músicos que com ele colabora. O leque das escolhas integra ainda canções de amor, ou que acompanham os casamentos, por exemplo, algumas das quais são cantadas em grego e turco, indiferentemente. E essa é a outra beleza desta recolha: pôr em diálogo duas culturas que têm dialogado intensamente, mas cuja dimensão política se traduziu quase sempre em antagonismo – traduzido, nomeadamente, na divisão de Chipre em duas metades, desde que a Turquia ocupou a parte norte, em 1974. A par da riqueza melódica, vocal e instrumental (Yinekios karsilamas é uma bela peregrinação conjunta dos alaúdes, percussões, violino, santur e saz, e Vraka-konyah uma vibrante interacção entre as vozes e os instrumentos), este disco revela-nos uma tradição musical de grande qualidade. A não perder.
Título: Synergia – Musiques de l’Île de Chypre
Intérpretes: Vários; dir. Dimitri Psonis
Edição: Alia Vox