Música
13 abril 2022

Discos

Tempo de leitura: 4 min
Diante da tragédia de uma nova guerra perto de nós, a música do compositor ucraniano Valentin Silvestrov é uma descoberta redentora e uma forma de nos reconciliarmos com uma parte da nossa humanidade.
António Marujo
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No seu disco Sacred Songs (“Canções sagradas”), o compositor ucraniano Valentin Silvestrov (n. 1937) inclui o tema «World of Peace» (“Mundo de paz”). Precisamente o que a invasão russa retirou ao seu país e ao seu povo. A música de Silvestrov passou, por isso, a falar de urgências, várias delas cantadas desde há centenas de anos através dos salmos bíblicos: a libertação (Today you release your servant), o louvor de todas as nações ao mesmo Deus, os corações que não se devem encher de orgulho...

Com 84 anos, Silvestrov não está sujeito à mobilização geral e poderia deixar o seu país. Terá ele saído da Ucrânia em busca do mínimo de tranquilidade? Ou estará a compor um novo Requiem, desta vez dedicado ao seu povo, como aquele que fez para a mulher, Larissa, que morreu cedo?

Diante da tragédia de uma nova guerra perto de nós, a música de Silvestrov é uma descoberta redentora e uma forma de nos reconciliarmos com uma parte da nossa humanidade. Ucraniano, o compositor foi buscar à música litúrgica ortodoxa russa a sua fonte de inspiração para vários discos marcantes da sua carreira: Sacred Songs (2012), e To Thee We Sing (“A vós cantamos”), de 2015, são os últimos discos dedicados a música sacra/litúrgica, já depois de Requiem for Larissa (2004) e Sacred Works (“Obras sacras”), de 2009, além de outras composições dispersas. Em todos esses trabalhos – tardios na sua carreira, até então concentrada sobretudo no piano e na música de câmara –, percebemos porque é que aquela música nos comove e nos atrai de forma tão intensa, tal como nos comove e atrai a grande literatura ou o grande cinema russo, entre outras artes. Percebemos, na música de Silvestrov, a intensidade que só a grande espiritualidade dos povos eslavos possibilita.

A propósito da obra do compositor ucraniano, Paul Griffiths escrevia, na apresentação de Sacred Songs, que a música de Silvestrov, sendo complexa «é imediatamente reconhecível» e «totalmente directa na comunicação com o público». É uma música sem idade, porque as palavras usadas são cantadas há séculos. Por isso esta música do século XXI traz «essa longa ressonância» e, apesar de tão nova e tão contemporânea, soa «já como uma memória». É uma música de paisagens vastas, livre, de sons de sinos que despertam vários mundos...

O compositor afirmou já que a sua música era «uma canção que o mundo canta sobre si mesmo, um testemunho musical à vida». É disso mesmo que esta música trata: com os seus lamentos, melancolias, esperanças, harmonias e alegrias, estamos perante um enorme tributo à beleza e à vida. Neste tempo, o que podemos querer mais?

 

Disco_Total

Títulos: Requiem for Larissa; Sacred Works; Sacred Songs

Autor: Valentin Silvestrov

Intérpretes: Coro de Câmara de Kiev; dir. Mykola Hobdych

Edição: ECM  |  www.distrijazz.com

 

Título: To Thee We Sing

Autor: Valentin Silvestrov

Intérpretes: Coro da Rádio da Letónia; dir. Sigvards Klava

Edição: Ondine (todos os discos disponíveis em plataformas digitais)

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Música
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Novembro 2024 - nº 751
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