Um disco inspirado e inspirador. Rão Kyao foi ao encontro de Mahatma Gandhi (1986-1948), revisitando a sua história, a sua opção pela não-violência e pela ligação profunda à terra, o seu humanismo e pacifismo. Ligando essas referências à música de Rão Kyao, cuja busca tem privilegiado o encontro português com uma expressão orientalizada, ficamos perante um disco perfeito para nos falar de todos aqueles aspectos, cuja actualidade e universalidade não podiam ser mais prementes. E vários temas se destacam nesse percurso, desde os iniciais e fundadores Respeito pela Natureza e Deus É Amor, até Misericórdia ou Marcha do Sal (que evoca precisamente esse acontecimento que Gandhi liderou reivindicando o acesso das populações a esse bem básico). Independência assinala o acontecimento fundador da União Indiana, em 1947, Sathya Graha celebra a filosofia do amor e da não-violência que Gandhi defendia e Vaishnav jan to tene Kahiye je, um tema tradicional de que o próprio Gandhi gostava muito (aqui com tons de fado), que é uma espécie de hino, assume-se como uma espécie de manifesto em favor de um caminho mais pacífico, fraterno e sustentável para a Humanidade. Inspirado e inspirador, e também um disco que nos obriga a reflectir na beleza e na bondade.
Título: Gandhi
Autor e intérprete: Rão Kyao
Edição: Galileo
Al’Fado é um grupo luso-israelita fundado em Lisboa e que trabalha com a música de expressão ibérica, a partir das culturas judaicas medievais ou de expressões mais contemporâneas, como o fado ou o flamenco. Cantando em ladino (língua falada pelos judeus da Península, que mistura hebraico, português e castelhano) e também nas duas principais línguas ibéricas, o grupo editou já o seu primeiro disco, Nasimiento. Publicado em 2020, já em pandemia, o disco passou despercebido. Nele, além dos quatro membros do grupo – Gal Tamir na voz e clarinete, Avishay Back (baixo), Diogo Melo de Carvalho (percussão) e João Roque (guitarra) – colaboram ainda João Paulo Esteves da Silva (piano) e Nadar Noiberg (flautas). Não havendo muitos trabalhos em Portugal que recuperem a música ladina, é de saudar este novo grupo e o seu primeiro disco. Podemos aqui escutar temas tradicionais como Adio Kerida ou La Serena, ou mais contemporâneos como Ó Gente da Minha Terra. Este último tema, por exemplo, com as flautas de Nadar Noiberg e a voz de Gal Tamir, assume uma intensa expressão intimista pouco habitual. Outro tema grande é Rikordus de mi nona, composto por Flory Jagoda (1923-2021), nascida numa família de judeus bósnios e descendente de sefarditas. Um disco que nos fala de raízes comuns, mesmo se esquecidas, e da possibilidade de as culturas se influenciarem mutuamente, enriquecendo o património comum.
Título: Nasimiento
Intérpretes: Al’Fado
Edição: Al’Fado