Música
29 janeiro 2023

Música

Tempo de leitura: 3 min
«Estel de Mar – Llibre Vermell de Montserrat» e «Misticissimus Coralliummm», dois discos belíssimos que é obrigatório escutar.
António Marujo
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São já vários os discos que registam canções de temática mariana retiradas do Livro Vermelho de Montserrat. Mas este Estel de Mar não é apenas mais um. O Mosteiro de Santa Maria, a cerca de 50 quilómetros de Barcelona, foi fundado em 1025 (está a completar um milénio), mas foi na transição dos séculos XII para XIII que uma nova abadia começou a ganhar forma, com a imagem da Moreneta, ou Virgem Negra, como centro da devoção, ampliada pela fama de milagres a ela atribuídos. Além disso, Montserrat tornou-se também um centro cultural decisivo na afirmação da identidade catalã. As músicas dos peregrinos, de que o Livro Vermelho é um exemplo, eram muitas vezes cantadas e dançadas no adro do mosteiro e da igreja. Neste disco, o Ensemble Kantika, dirigido por Kristin Hoefener, confirma a riqueza do extraordinário repertório do Llibre Vermell, recriando a riqueza melódica dos cantos aliada à marcação rítmica – como podemos confirmar em cantos como Stella splendens, Los set gotxs recomptarem ou Ad mortem festinamus. Desse modo, como que revivemos as interpretações de peregrinos onde o descanso do corpo, a harmonia das duas vozes (uma inovação da ars nova a voz) e o ritmo das percussões têm cada um o seu lugar próprio, mas se conjugam para nos dar uma beleza maior. Obrigatório escutar. 

Disco2

Título: Estel de Mar – Llibre Vermell de Montserrat

Intérpretes: Ensemble Kantika; dir. Kristin Hoefener

adm@kantika.com ou kh@kantika.com

 

 

 Disco1

A Bohemia Camerata, dirigida por Pedro Burruezo, trabalha textos espirituais de proveniência cristã, muçulmana, judaica ou cruzando inspirações dessas diferentes tradições. Tanto pode criar canções a partir da origem sufi da poesia de São João da Cruz, de um poema de Teresa d’Ávila ou das Profecias de São Malaquias, monge (e depois arcebispo proclamado santo) do século XII. É significativo também que o disco cite Miguel de Unamuno, Al-Sulami, Dante, João da Cruz ou Lao Tsé. Burruezo, que se dedica também ao activismo ambiental, tem na sua voz o gene da multiculturalidade, desde a capacidade enfática do árabe até ao tom meditativo, passando pelos ritmos andaluz ou grego (como em El Cal de Girona, que mistura a tradição judaica e grega). Este disco sucede ao Misticíssimus, e à versão de espectáculo da sua apresentação, mas acrescenta outros temas. Destaquem-se Ebrios de amor divino, Al-Khautar, que toma o poema de João da Cruz Ainda que seja noite, mesclando-o com inspirações árabo-andaluzas; Meravellosos, tomada das Cantigas de Santa Maria de Afonso X; ou Zagüiya. «As três vidas de Pedro são a essência de Burruezo; o divino, as palavras, as suas canções, a sua guitarra», diz a música de homenagem composta por Joan Victor Sagrista, incluída no disco. Belíssimo.

Título: Misticissimus Coralliummm

Autor e intérpretes: Pedro Burruezo & Bohemia Camerata, Coral Cypsella e Wafir S. Gibril

https://burruezo.org

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Discos
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Novembro 2024 - nº 751
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