No mundo continuam vigentes dezenas de conflitos, do Médio Oriente a Mianmar, passando pela Ucrânia e a África. «A guerra é um mal, rezemos pelo fim das guerras», repete o Papa Francisco inúmeras vezes. Com esta via-sacra, meditações editadas da via-sacra da Santa Sé do ano de 2023, apresentamos vozes de esperança no mundo em guerra, testemunhos de homens e mulheres de várias regiões do mundo que sofrem violência, pobreza e injustiça. Unindo-nos a eles, pedimos a Jesus, que abraçou a cruz por nós, que nos dê a Sua paz, aquela paz que não conseguimos construir só com as nossas forças.
I Estação
Jesus é condenado à morte
[Vozes da Terra Santa]. A paz, que todos desejamos, não nasce por si mesma, mas aguarda uma decisão nossa. Hoje, como então, somos continuamente chamados a escolher entre Barrabás ou Jesus: a revolta ou a mansidão, as armas ou o testemunho, o poder humano ou a força silenciosa da pequenina semente, o poder do mundo ou o do Espírito. Na Terra Santa, parece que a nossa escolha recai sempre sobre Barrabás. A violência parece ser a nossa única linguagem. O motor das retaliações recíprocas é continuamente alimentado pelo próprio sofrimento, que muitas vezes se torna o único critério de juízo. Cristo convida-nos a não usar o metro de Pilatos e da multidão, mas a reconhecer o sofrimento do outro, colocar justiça e perdão em diálogo e desejar a salvação para todos.
II Estação
Jesus toma a cruz aos ombros
[Voz de um migrante da África Ocidental]. A minha via-sacra começou há seis anos, quando deixei a minha cidade. Cheguei à Líbia e prometeram colocar-me num navio para a Europa, mas as viagens foram canceladas e não nos foi restituído o dinheiro. Encontrei trabalho para pagar outra travessia. Por fim, subi com mais de 100 pessoas para um bote de borracha. Navegámos horas... Um navio italiano salvou-nos, mas levou-nos de volta para a Líbia. Lá, fomos encerrados num centro de detenção. Não desisti e, depois de mais duas tentativas, cheguei a Malta. Fiquei num centro durante seis meses; todas as noites, perguntava a Deus: porquê homens como nós nos consideram inimigos? Muitas pessoas que fogem da guerra carregam cruzes semelhantes à minha.
III Estação
Jesus cai pela primeira vez
[Vozes dos jovens da América Central]. Nós, jovens, queremos a paz. Mas muitas vezes caímos. Deitam-nos por terra a preguiça, o medo, o desalento e também as promessas vazias de uma vida fácil mas desonesta, feita de ganância e corrupção. Jesus, caíste sob o peso da cruz, mas depois levantaste-Te, tomaste de novo a cruz e, com ela, deste-nos a paz. Impele-nos a tomar a vida nas nossas mãos, impele-nos à coragem do compromisso.
IV Estação
Jesus encontra a sua mãe
[Voz de uma mãe da América do Sul]. Em 2012, a explosão de uma bomba colocada pelos guerrilheiros esfacelou-me uma perna. Os estilhaços provocaram-me dezenas de feridas no corpo. Eu, vítima daquela violência insensata, a princípio senti raiva e ressentimento, mas depois descobri que, se espalhasse ódio, criava ainda mais violência. Compreendi que dentro de mim e ao meu redor havia feridas mais profundas que as do corpo. Entendi que muitas vítimas precisavam de descobrir, como eu e através de mim, que a vida para elas também não tinha acabado e que não se pode viver de ressentimentos. Assim, comecei a ajudá-las: estudei para ensinar a prevenir os acidentes causados por milhões de minas disseminadas no nosso território. Agradeço a Jesus e à sua Mãe por ter descoberto que enxugar as lágrimas dos outros não é tempo perdido, mas o melhor remédio para se curar a si mesmo.
V Estação
Simão de Cirene ajuda Jesus a levar a Cruz
[Vozes de migrantes da África e do Sul da Ásia].
[1] Sou uma pessoa ferida pelo ódio. Uma vez experimentado, o ódio não se esquece; muda-te. O ódio assume formas horríveis. Tenho dentro de mim um vazio de amor que me faz sentir um peso inútil. Haverá um Cireneu para mim?
[2] A minha vida é na estrada, escapei das bombas, das facas, da fome e do sofrimento. Fui atirado para dentro de um camião, escondido em baús, lançado para barcos precários. Contudo, a minha viagem continuou esperando alcançar um lugar seguro, que ofereça liberdade e oportunidades, onde possa dar e receber amor, praticar a minha fé, onde a esperança seja real. Haverá um Cireneu para mim?
VI Estação
Verónica enxuga o rosto de Jesus
[Voz de um sacerdote religioso da península balcânica]. Era um pároco de 40 anos, quando chegou a guerra: agentes armados entraram na casa paroquial e levaram-me para um campo onde passei quatro meses. Foram terríveis: privados das mínimas condições de higiene, sofríamos fome e sede, sem nos podermos lavar e barbear; éramos maltratados fisicamente, espancados e torturados com vários objectos. Levavam-me para fora, inclusive cinco vezes ao dia, sobretudo de noite, chamando-me pároco e batendo-me. Não teria sido capaz de suportar todo aquele mal sozinho, sem Deus: a oração, repetida no coração, fez maravilhas. E a Providência chegou sob a forma de ajudas e comida, através de uma mulher muçulmana, Fátima, que conseguiu chegar até mim abrindo caminho através do ódio. Foi para mim como a Verónica foi para Jesus. Agora, até ao fim dos meus dias, dou testemunho dos horrores da guerra, e grito: Jamais a guerra!
VII Estação
Jesus cai pela segunda vez
[Voz de um adolescente do Norte de África]. Sou o Johnson e, desde 2014, vivo noutro campo para deslocados. Tenho 14 anos e frequento a terceira classe. Aqui a vida não é boa, muitas crianças não vão à escola, porque não há professores nem escolas para todos, o lugar é demasiado pequeno e superlotado. Queremos a paz a fim de voltar para casa. A paz é boa, a guerra é má. Gostaria de o dizer aos líderes do mundo. E, a todos os amigos, peço que rezem pela paz.
VIII Estação
Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
[Vozes do Sudeste Asiático]. Jesus, levas a tua cruz. E penso que também o meu país leva a sua cruz. É um fardo pesado, Jesus, que arrastamos. Somos um povo que ama a paz, mas estamos esmagados pela cruz do conflito, das deslocações internas, dos ataques aos lugares de culto... As lágrimas das nossas mães choram a fome dos seus filhos. E nós, cristãos, queremos ser instrumentos de paz. Converte-nos a Ti, Jesus, e dá-nos força!
IX Estação
Jesus cai pela terceira vez
[Voz de uma consagrada da África Central]. No dia 5 de Dezembro de 2013, acordei com o barulho dos rebeldes a invadiram a capital. Foi o início de sofrimentos indescritíveis: assassínio, perda de familiares e amigos. Naquele vale de lágrimas pensei em Jesus. Também Ele caiu sob o peso da violência. Juntava os meus «porquês» aos d’Ele e em mim abriu caminho uma resposta: ama como Jesus te ama. Foi a luz no meio da escuridão. Compreendi que devia haurir força do acto de amar. Com alguns amigos, começámos a reunir crianças para lhes transmitir os valores evangélicos da ajuda mútua, do perdão, da honestidade, para que o sonho da paz se torne realidade.
X Estação
Jesus é despojado das suas vestes
[Vozes dos jovens da Ucrânia]. Há dois anos, o meu pai e a minha mãe pegaram em mim e no meu irmão mais novo para nos trazer para a Itália, onde a nossa avó trabalha há mais de vinte anos. Saímos de Mariupol durante a noite. Na fronteira, os soldados bloquearam o meu pai, dizendo-lhe que devia permanecer na Ucrânia para combater. Nós prosseguimos de autocarro por mais dois dias. Chegado à Itália, senti-me triste. Senti-me despojado de tudo: completamente nu. Não conhecia a língua, nem tinha qualquer amigo. A minha avó esforçava-se por me fazer sentir feliz, mas a única coisa que eu dizia era que queria voltar para casa. Por fim, a minha família decidiu regressar à Ucrânia. Aqui a situação continua a ser difícil; há guerra por todo o lado, a cidade está destruída. Mas, no coração, ficou-me aquela certeza de que falava a minha avó quando eu chorava: «Verás que tudo passa. E, com a ajuda do bom Deus, voltará a paz.»
XI Estação
Jesus é pregado na cruz
[Voz de um jovem do Médio Oriente]. Em 2012, grupos de extremistas armados invadiram o nosso bairro, matando quem se encontrava nas sacadas e nos condomínios. Eu tinha 9 anos. Recordo a angústia da minha mãe e do meu pai; à noite, encontrámo-nos abraçados e rezando. A guerra tornava-se de dia para dia mais horrenda. A comida era um problema diário. Em 2014, uma bomba atingiu o quarto dos meus pais, que se salvaram por milagre e decidiram com relutância deixar o país. Começou outro calvário, porque, depois de duas tentativas para obter um visto, não tínhamos alternativa senão embarcar-nos. Arriscamos a vida, permanecemos numa rocha à espera do amanhecer e de um navio da guarda costeira. Salvos, os habitantes do lugar acolheram-nos de braços abertos. A guerra foi a cruz da nossa vida. A guerra mata a esperança. Em nome de Jesus, que abriu os braços na cruz, estendei a mão ao meu povo!
XII Estação
Jesus morre na cruz
[Voz de uma mãe do Ocidente Asiático]. No dia 6 de Agosto de 2014, a cidade foi despertada pelas bombas. Os terroristas estavam à porta. Três semanas antes, tinham invadido as cidades e as aldeias vizinhas, tratando-as cruelmente. Por isso fugimos, mas, pouco dias depois, regressámos a casa. Uma manhã, enquanto estávamos nos nossos trabalhos e as crianças brincavam às portas das casas, ressoou no ar um tiro de morteiro. Saí a correr. Já não se ouviam as vozes das crianças, mas aumentavam os gritos dos adultos. O meu filho, o seu primo e a jovem vizinha, que estava a preparar-se para o matrimónio, foram atingidos: mortos. A morte destes três anjos impeliu-nos a fugir: se não fossem eles, ficando na cidade, teríamos inevitavelmente caído nas mãos dos terroristas. Não é fácil aceitar esta realidade. Contudo, a fé ajuda-me a esperar, porque me lembra que os mortos estão nos braços de Jesus. E nós, sobreviventes, procuramos perdoar ao agressor, porque Jesus perdoou aos seus carrascos. Nas nossas mortes, cremos em Ti, Senhor da vida. Queremos seguir-Te e testemunhar que o teu amor é mais forte do que tudo o resto.
XIII Estação
Jesus é descido da cruz
[Voz de uma religiosa da África Oriental]. No dia 7 de Setembro de 2022, data em celebrámos o acordo de independência do nosso país, uma notícia quebrou a nossa alegria: uma missionária fora morta pelos terroristas. O dia da vitória transformou-se em derrota: o medo e a incerteza inundaram os nossos corações. Porém, como nos foi testemunhado e aprendemos na escola de Maria, que com fé acolheu nos braços Jesus já morto, nunca devemos perder a coragem de sonhar um futuro de esperança, paz e reconciliação.
XIV Estação
Jesus é depositado no sepulcro
[Vozes de mulheres da África Austral]. No entardecer de uma sexta-feira, os rebeldes invadiram a nossa aldeia. Saquearam tudo e mataram muitos homens. Nós, mulheres, fomos levadas para um parque. Todos os dias éramos maltratadas no corpo e na alma. Por Deus, um dia, consegui escapar. Em nome de Jesus, perdoamos-lhes por tudo o que nos fizeram. Pedimos ao Senhor a graça duma convivência pacífica. Acreditamos que o sepulcro não é a última morada, mas somos chamados a uma nova vida na Jerusalém celeste.
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