Há noventa anos, o P.e Maloney, missionário do Sagrado Coração, estava preocupado com o impacto do assentamento branco sobre o povo local, os Arrerntes. Procurou então a ajuda de Frank McGarry, que conheceu por intermédio da Sociedade de São Vicente de Paulo. Juntamente com o povo aborígene local, estabeleceram a Missão Pequena Flor (mais tarde renomeada como Santa Teresa).
Por meio da igreja – e mais tarde da escola – eles proporcionaram segurança física e emocional às pessoas. A maioria das famílias tornou-se católica e juntou-se à paróquia. Agora é o lar de cerca de 500 pessoas e é uma comunidade que recebe visitantes de todo o mundo para compartilhar a sua cultura, língua e arte únicas. A comunidade conta com uma escola católica, uma loja, uma clínica, serviços de assistência a idosos e um infantário.
Caminhar com os Arrerntes
Tornei-me uma das convidadas da comunidade depois de vários anos a trabalhar com aborígenes e habitantes das ilhas do estreito de Torres, no Estado de Queensland, quando me pediram para ir a Santa Teresa. Na época, parecia que era apenas mais um passo no ministério para mim, mas tornou-se muito mais do que isso.
Ser assistente paroquial em Santa Teresa foi muito diferente do meu trabalho anterior no ensino religioso num internato para jovens aborígenes das ilhas do estreito de Torres. No meu ministério em Queensland, os alunos vieram de várias comunidades e culturas, portanto, familiarizar-se bem com a cultura de qualquer comunidade em particular não foi fácil. Em Santa Teresa, todas as pessoas eram de uma mesma cultura e língua, por isso, durante os últimos onze anos, tive o desafio e a oportunidade de ser presenteada pela população local, já que aprendi e vivenciei a sua língua e cultura.
Muitas vezes perguntam-me: «Como combina a cultura e espiritualidade arrernte com as suas crenças cristãs?» A minha resposta é sempre semelhante: conforme fui conhecendo e apreciando a espiritualidade de 65 mil anos dessas pessoas, encontro um ponto de ligação perfeito com a minha própria espiritualidade. Na verdade, a minha espiritualidade é mais rica e mais profunda por causa da minha maior compreensão do povo Arrernte. Ser dotada de conhecimento e compreensão desta cultura muito antiga é uma experiência muito sagrada – que me mantém maravilhada cada dia que passa.
Desafios da pandemia
A pandemia de covid-19 tornou esta comunidade de 500 membros do povo Arrernte Oriental uma das mais vulneráveis à infecção contagiosa devido ao seu tamanho. O contágio pode facilmente eliminar toda a comunidade. Assim, o confinamento começou a 18 de Março. Apenas os serviços essenciais (equipa médica, polícia e camião de entrega da loja) tinham autorização para entrar na comunidade – e ninguém podia sair.
Isto afectou, de facto, todas as famílias aqui, em especial as mulheres, que têm a maior responsabilidade no seio da família. A economia está devastada, pois os visitantes diurnos e os que vêm para experiências de imersão de vários dias estão proibidos.
O isolamento imposto também significou o encerramento do Centro de Espiritualidade da comunidade, normalmente uma colmeia de actividades de artistas e visitantes e um centro vital para reunir as mulheres arrerntes. Aqui, as mulheres compartilham e criam as suas obras de arte enchendo as prateleiras com lenços de seda pintados à mão com padrões garridos e paredes decoradas com pinturas e cruzes.
As cruzes são a resposta das mulheres arrerntes à sua fé cristã e crenças culturais em «Ngkarte» (Deus). Cada cruz é única, pintada à mão em cores e desenhos de pontos brilhantes. As mulheres fazem estas cruzes desde que o Centro de Espiritualidade foi inaugurado, há mais de dez anos. O seu êxito superou todas as expectativas – 30 000 cruzes foram pintadas no decurso daquele tempo. É um projecto que é possível porque a Paróquia de Santa Teresa fornece electricidade, água e instalações, e as mulheres fazem o resto.
As cruzes feitas à mão tornaram-se famosas e são levadas para todos os cantos do mundo por turistas e peregrinos visitantes. A venda de objectos de arte e religiosos são um complemento muito necessário à renda limitada das mulheres e, é claro, esse suplemento foi agora reduzido pelo confinamento. Apesar desta situação, as mulheres são implacavelmente produtivas e continuam a trabalhar em casa.
Durante a Semana Santa, as pessoas da comunidade – atentas à distância física – reuniam-se todas as noites para cantar gospel e orar em família. Na véspera do Domingo de Páscoa, o pároco P.e Elmer e eu enchemos recipientes com água para se tornar água de Páscoa. As pessoas vinham durante o dia e no fim-de-semana para levar para casa garrafas de água para usar durante a oração familiar recitada em casa no Domingo de Páscoa.
Noutro esforço de apoio à comunidade, todas as noites as luzes do interior e do exterior da igreja são acesas para nos ajudar a todos nós a lembrar que, por mais sombrio que pareça este tempo, Deus está sempre connosco; confiar em Deus que cuida de nós; cuidar uns dos outros e orar por todos na comunidade; para dizer «obrigado» a todos os que estão a cuidar de nós, especialmente ao pessoal da clínica e da loja e à polícia.
Alguns de nós perguntamos a nós mesmos se algum dia sairemos desta situação de pandemia e das suas medidas preventivas. No entanto, podemos usar estes dias como uma forma de desafiar as percepções em actos de bondade, compaixão e cuidado mútuo. Esta é a fé que permeia as mulheres arrerntes e suas famílias em Santa Teresa, enquanto projectam obras de arte que celebram a ressurreição de Cristo como o triunfo da vida sobre a morte.
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