LIVROS
«Santa Bakhita»
Autor: Véronique Olmi
Editor: Porto Editora | www.portoeditora.pt | Tel. 226 088 300
Vida resgatada
São sempre impressionantes as atrocidades que o homem é capaz de cometer sobre o seu semelhante. Em contexto de guerra ou não, quando a violência e o desrespeito mais básico pelo outro são a norma, está aberta a porta para o pior que o ser humano pode ser. Isto é ainda mais verdade quando o alvo é uma criança, a quem é roubada a infância e a simplicidade e felicidade que lhe são inerentes.
Foi o caso de Bakhita: feita escrava aos sete anos, acorrentada, espancada, aterrorizada e violentada de diversas formas e feitios sem perceber o porquê, separada da família de que restaram apenas memórias e saudades, cedo passou a carregar as marcas físicas e psicológicas que lhe ficaram para a vida.
Véronique Olmi traz para estas páginas inúmeras descrições de práticas de violência e da forma como eram recebidas. Empurra facilmente o leitor para a empatia com essa criança, para que lhe perceba o desnorte, o sofrimento, o terror, a derrota. Momentos que, em vídeo seriam mais rápidos e não dariam tanto tempo para se interiorizar o seu peso, lidos parecem ganhar o efeito de câmara lenta, permitindo que se experimente cada bocadinho de angústia vivido. A leitura é por isso e por vezes especialmente difícil de «engolir». Ainda por cima, tudo se apresenta embrulhado pelo registo da autora, com frases curtas, ideias encadeadas, levando o leitor a galope em sequências de emoções de que tantas vezes é difícil recuperar o fôlego.
Este é, no entanto, um livro de contrastes, como o foi aliás a vida desta santa. Bakhita teve a sorte de ser comprada por um cônsul italiano e de ser levada para longe da sua terra e acolhida numa família. Dois terços da leitura acompanham o resto da vida de Bakhita.
A autora segue a vida da adolescente na descoberta do amor de outros e da sua própria doçura. Acompanham-se as primeiras orações repetidas sem compreensão das palavras ditas, o primeiro crucifixo, do qual só compreendeu a importância enquanto objecto, a entrada para o convento para não ter de regressar à sua terra natal, a decisão de ser freira. Véronique Olmi abrevia 50 anos de vida religiosa, com passagem por duas guerras mundiais, e o leitor descobre a serenidade de uma alma que se sentia já salva. Bakhita é padroeira do Sudão e aclamada protectora de vítimas de sequestro.
Mais do que a dualidade de emoções vividas ao longo da leitura, ficam os sentimentos, por um lado, de esperança no ser humano, por outro de responsabilidade pelo efeito que podemos ter na vida do outro, quem sabe se à espera de alguém que o resgate, quem sabe se com feitos muito menores do que aquele do cônsul italiano ao desviar da escravatura e a acolher na sua família a negra Bakhita.
(Filipe Messeder)
Factos mais significativos e ideias relacionadas com acontecimentos e conceitos, nas memórias de um economista social comprometido com a humanização do mundo. O autor é especialista nas áreas sociais das políticas de emprego e teve funções na organização de países desenvolvidos OCDE, Conselho da Europa e Organização Internacional do Trabalho.
Título: «Testemunho de um Economista Social»
Autor: João Moura
Editora: ITDC
www.sitiodolivro.pt | Tel. 211932 500
Homilias que, como conversas e reflexões sobre coisas e acontecimentos, constituem uma viagem de reconhecimento através dos mais diversos momentos da vida da Igreja. Reflexões e percepções do cardeal-arcebispo de Boston, fundador do Centro Católico Hispano e presidente da Pontifícia Comissão para a Protecção de Menores.
Título: «Gambiarras de Luz»
Autor: Seán O’Malley, OFM Cap.
Editora: Paulinas
www.paulinas.pt | Tel. 219 405 640
DISCOS
Título: Messiah – An Oratorio
Intérpretes: La Capella Reial de Catalunya; Le Concert des Nations
dir. Jordi Savall
O Messias, de Handel, é uma das grandes obras-primas da música. Não só pelo seu Hallelujah, que celebra a ressurreição, mas também porque o músico compôs a que Jordi Savall identifica como «uma obra que escapa a todas as categorias conhecidas» e lhe valerá «a glória numa medida maior que qualquer outra das suas obras». Handel compôs Messiah depois do annus horribilis de 1737, quando sofreu um derrame que o paralisaria durante meses; a situação culmina com a morte da rainha Catarina, a sua grande protectora, cinco dias depois do seu regresso ao trabalho. Handel saiu desses episódios recuperando a criatividade e compondo várias obras, das quais a maior será O Messias, estreada em 1742. Um título «equívoco», nota Savall: Cristo não «fala» e o seu nome é nomeado uma única vez. Como dizia Telemann acerca do seu próprio Messias, esta não é tanto uma oratória, mas um fresco de «contemplação», que apresenta os mistérios da Natividade, Paixão e Ressurreição. Ou seja, a vida e a sua redenção como possibilidade – o seu mistério. A escutar obrigatoriamente, mais ainda em tempo de Natal.
(António Marujo)
Título: Hail
Intérprete: The Choir of St. Clement’s Episcopal Church
dir. Douglas Charles Shambo
O Coro de S. Clemente da Igreja Episcopal de Saint Paul (Estado do Minnesota, Centro-Norte dos EUA) reúne, neste Hail, cantos de Advento, Natal e Epifania, com um resultado surpreendente: não se trata de uma antologia de canções de Natal mais conhecidas (mas cá estão Away in a Manger ou Adeste Fidelis), mas de uma selecção criteriosa de peças com uma beleza e uma harmonia que em tudo remetem para o tempo natalício e dele são tributárias. Há aqui verdadeiras pedras preciosas e finamente esculpidas, como A Maiden Most Gentle (o Avé de Lourdes), o Hino à Virgem e o New Year’s Carol, de Britten, ou A Babe is Born, apenas para referir alguns. Entre os compositores, contam-se ainda John Tavener ou Tomás Luis de Victoria, entre vários nomes de diferentes épocas. Uma verdadeira ceia musical de Natal.
(António Marujo)
Título: Munich 2016
Intérprete: Keith Jarrett
Edição: ECM
É conhecido o virtuosismo de Keith Jarret com o piano e a improvisação. Este Munich 2016, gravação ao vivo no Philharmonic Hall de Munique em 2016, confirma a trajectória única e rica, bem como o auge da criatividade em que o músico se encontra. Intercalando peças mais íntimas e contemplativas com outras mais intensas, inspirações mais intrincadas ou mais líricas, Jarret tem aqui um momento alto – e, depois das doze partes da peça principal, como que oferece três bónus igualmente mágicos: Answer Me, My Love; It’s a Lonesome Old Town; e Somewhere Over The Rainbow, o tema de O Feiticeiro de Oz – que começa, aqui, tocado de forma ingénua e vai depois ganhando densidade. E traz à memória a história que convida a abandonar o desânimo e acreditar que, «para lá do arco-íris», haverá um lugar onde os problemas se derretem como «pingos de limão»...
(António Marujo)