O artista de Jalisco, México, Álvaro Cuevas, de 45 anos, tem um estilo de arte incomum. Já transformou em arte doze toneladas de armas – pistolas, espingardas, metralhadoras e granadas – das muitas mais que tingem de sangue o México todos os dias. Neste país americano, a violência provoca cerca de 3000 mortos por mês, 100 por dia.
A Além-Mar perguntou a Álvaro Cuevas como nasceu a sua vocação artística. Respondeu, por correio electrónico, que foi um processo de discernimento da sua história. Descobriu que a arte é o seu modo de estar na vida, é a maneira de deixar uma marca. Criou os seus primeiros trabalhos artísticos em 1998 e começou a sua carreira profissionalmente em 2006.
Depois, foi determinante a leitura da sua árvore genealógica, em que, como ele sublinha, há feridos por balas: o seu irmão foi uma vítima, e primos e tios morreram depois de serem baleados. A dor imensa levou o escultor a considerar o que se pode fazer com as armas para as purificar: «As armas quando são desactivadas permanecem como eram, de acordo com o seu destino. Mas se forem transformadas, cria-se um objecto e um conceito completamente diferentes», explica ele.
Deixar marcas
Em 2017, a Secretaria de Defesa Nacional mexicana contactou Álvaro Cuevas para lhe entregar milhares de armas apreendidas e entregues pelos cidadãos nas campanhas de intercâmbio voluntário, indo ao encontro do seu projecto de transformação dos instrumentos de morte.
Cuevas pegou nas doze toneladas de metal que lhe foram entregues e começou a dar-lhes formas de animais, crianças e impressões digitais. A este trabalho, o artista mexicano chamou-lhe «Impactos que Deixam Marcas». E o resultado de cerca de dois anos de trabalho, para unir cada peça e dar-lhe um significado, são 21 esculturas.
Em 2018, o artista visual criou a exposição Armas de Sensibilidade. Consta de esculturas de animais selvagens, como veados, onças, rinocerontes, peixes e uma águia. «São animais que matam por instinto, ao contrário dos humanos, que matamos por prazer», explica o artista visual.
Só para a criação do veado, ele usou 514 armas apreendidas e entregues voluntariamente. E gastou nesta obra cerca de mês e meio.
Logo depois, iniciou a exposição Huellas de Conciliación. São esculturas de três metros de altura, que reproduzem as impressões digitais. Esta série será exposta em «lugares onde há ou houve conflitos. Uma zona de conflito é onde há morte, roubo e dano», afirma o artista. Procura-se, assim, gerar movimentos de sanação, espiritualidade e superação. Cuevas explica: «O México está armado. É necessário, é urgente, que as pessoas detonem as suas outras balas, aquelas que o mundo inteiro usa todos os dias, e que são ainda mais poderosas, de tal maneira que elas podem ser transcendidas: a palavra, a educação, a saúde, a arte, por exemplo. E tudo isso faz explodir o talento de alguém.»
Guadalajara recebeu a primeira escultura em forma de impressão digital. Está patente na colónia americana, na Rua Prisciliano Sánchez, onde houve ataques e homicídios. E integra esta série, e também está exposta em Guadalajara, a obra que tem um significado especial para Cuevas. «É a obra que contém uma cruz. Nela estão algumas das armas que foram usadas para assassinar o cardeal Posadas, em 24 de Maio de 1993», declarou à Além-Mar.
Provocar a reflexão
As esculturas de Álvaro Cuevas, feitas com armas, provocam um diálogo íntimo com o espectador, para gerar nele uma reflexão.
Tem uma série de obras em que crianças seguram outras armas poderosas: um livro, um pincel e uma paleta de tintas. Com elas, o artista sensibiliza para a educação e a construção do futuro das crianças. A mensagem é que todos somos «balas», pois todos podemos «explodir», transcendermos, provocar impacto nos outros. Mas é a decisão de cada um que faz a diferença, se escolhe accionar o gatilho letal ou o que expande os talentos.
Em outra das suas colecções, ele construiu uma bala com mais de três metros, para que as pessoas possam entrar nela e sensibilizar-se. Entre outras, as perguntas subjacentes são: o que aconteceria se aquela autêntica bomba detonasse? E que contributo estaríamos a dar ou não aos outros, ao mundo inteiro, se matamos uma ou mais pessoas?
A partir das experiências pessoais e familiares da dor, com a intenção de transmitir uma mensagem de paz e reconciliação à população mexicana, que sofre com os altos índices de violência, o artista vai continuar o projecto com 100 toneladas de armas que lhe serão entregues pela Secretaria de Defesa Nacional.
Entretanto, o artista de Jalisco entrou em contacto com o Instituto de Justiça Alternativa (IJA) do seu Estado que iniciou uma campanha de troca de armas reais e de brinquedos bélicos por electrodomésticos entre os seus 7,3 milhões de habitantes. Em pouco tempo, conseguiu reunir mais de treze toneladas das primeiras e mais de vinte mil armas de plástico. E, sempre em colaboração com o IJA, criou um mural com animais que, nas fábulas, difundem a cultura da paz. Composto por cinco esculturas de grandes dimensões, esteve exposto durante um festival infantil, organizado pela Universidade de Guadalajara.
Ele doou várias obras a diversas agências governamentais nos Estados mexicanos de Jalisco e Iucatão, para serem exibidas permanentemente. Outras obras compõem uma exposição itinerante que é levada a eventos e espaços culturais e cívicos, com a intenção de que a mensagem chegue ao maior número de pessoas possível.
Também pretende distribuir as novas obras entre as 100 universidades do México, para que os seus alunos gerem propostas artísticas que contribuam para a unidade como mexicanos: «Em vez das armas que nos dividem, devemos, ao contrário, unir-nos por meio de propostas de transformação», explica o artista.
Álvaro Cuevas tem o apoio da família e tem recebido ecos do impacto da sua obra na vida das pessoas. À Além-Mar contou como ficou impressionado com um senhor que, depois de visitar uma exposição, começou a chorar. «Tinham-lhe matado um irmão havia um mês. Não tinha conseguido chorar até então e agradeceu-me por ter-lhe permitido desafogar a mágoa.»
Desafiado a deixar uma mensagem final aos Portugueses, disse: «Talvez não vivam em conflito armado, mas existem outros tipos de armas e de guerras que se vivem no dia-a-dia. Cada um de nós tem a sua história e a partir da nossa trincheira vamos deixando marcas de maneira visível e invisível, consciente ou inconscientemente.»
A arte é comunicação, convite à reflexão e estímulo para a construção de um mundo melhor, mais justo, pacífico e solidário.
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