Cultura
26 março 2019

Oito divas negras

Tempo de leitura: 9 min
No âmbito da música negra, os homens receberam mais honra e destaque e é maior o número dos que têm biografia na Internet. Todavia, há artistas femininas da música afro-americana com lugar reservado, merecidamente, no pedestal da História.
Fernando Félix
Jornalista
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O século xx foi a época de ouro para a música negra, nascida fora da África, sobretudo na América. Com novas técnicas e novos instrumentos, entre os géneros principais da também chamada música afro-americana incluem-se jazz, blues, rhythm and blues (R & B), soul, rock and roll, e, mais recentemente, o rap.

Há músicos negros notáveis conhecidos universalmente, como Louis Armstrong (1901-1971), Nat King Cole (1919-1965), B. B. King (1925-2015), ou Ray Charles (1930-2004). Menos conhecidas, mas igualmente insignes, são as artistas negras, tendo algumas delas ombreado ou superado os homens.

 

Divas do blues

Bessie Smith, a imperatriz do blues, nasceu em Abril de 1894, em Chattanooga, no Tennessee (Estados Unidos). Aos 18 anos, integrou, como bailarina, uma companhia itinerante de espectáculos de variedades, onde encontrou a cantora de blues Ma Rainey (1886-1939) – uma das primeiras afro-americanas a gravar as músicas que cantava, e que foi quem lançou a carreira musical de Bessie.

Com 19 anos, ela apresentou em público o seu primeiro espectáculo, em teatros destinados aos negros de Atlanta. Depois, começou a fazer digressões pelo país, até que, em 1923, se fixou em Nova Iorque. Ali tornou-se uma das maiores cantoras da sua época, ao mesmo nível de Louis Armstrong, e exerceu grande influência nos vocalistas de jazz. Ela imprimia grande intensidade às canções, vivia a música e era muito hábil a improvisar. O seu público era sobretudo da classe baixa, e as suas músicas e letras conversavam directamente com essas pessoas. Abordou os assuntos que mais sofrimento podem causar: alcoolismo, violência, falta de dinheiro, machismo… E, com a dureza e a sensualidade própria do blues, apelava à não submissão.

Dinah Washington, rainha do blues, nasceu em 1924, no Alabama. Cantora e pianista, interpretou e gravou uma ampla variedade de estilos, incluindo blues, R&B, jazz e pop. Ficou para a História como a artista feminina negra mais popular dos anos 1950. Os seus álbuns ocupavam sempre um lugar entre os dez mais vendidos. Tanto atraía como era criticada, porque teimava em cultivar um estilo vocal distinto do que estivesse em voga, ou dissonante dos mais característicos aos géneros de música que interpretava. Entre os seus críticos, disseram-lhe que cantasse músicas gospel (ela, de facto, começou por cantar e tocar piano no coro da sua igreja). A sua dicção era clara, mas a sua voz era áspera e aguda. As suas interpretações reflectiam o sofrimento do amor perdido e demonstravam carácter forte, não sentimental. No final da carreira, optou por baladas e orquestrações exuberantes.

 

Sons de jazz

Billie Holiday, pioneira no jazz, de nome de baptismo Eleanora Fagan, nasceu em Filadélfia (EUA), em 1915. Não precisou de estudos musicais para mudar a história do jazz na América. Afirmou-se como a principal cantora deste género musical nas décadas de 30 e 40 do século xx. As suas improvisações eram instintivas e o seu estilo vocal era comovente. O seu timbre vocal era, ao mesmo tempo, celestial e levemente rouco. As canções tornavam-se profundamente emotivas com a sua dicção e a sua apresentação sedutora. Cativava o seu público, criando cumplicidade. Com isso, foi pioneira de uma nova forma de trabalhar as frases e o ritmo musical. Apreciada por outros artistas, foi uma das primeiras negras a cantar com uma banda de brancos, numa época de segregação racial nos Estados Unidos.

Ella Fitzgerald, rainha do jazz, nasceu em 1917 na Virgínia. Foi a cantora de jazz mais popular nos Estados Unidos durante sessenta anos. Vendeu mais de 40 milhões de álbuns e ganhou 13 prémios Grammy. Conquistou o estatuto de lenda internacional. Soube aliar às suas notáveis habilidades interpretativas o melhor suporte instrumental do jazz. Tinha pureza de tom vocal, dicção impecável que salientava o fraseado, encenação intuitiva, ingénua e cativante, uma capacidade de improvisação genial, afirmando-se como uma excelente cantora de baladas. Uma preocupação constante na sua mensagem e postura foi a defesa dos direitos civis e a superação da discriminação.

Sarah Vaughan, a voz do século xx, nasceu em 1924, em Newark, com um dom que usou toda a vida: a sua voz, uma das mais maravilhosas do século xx. Com a sua ampla extensão vocal de três oitavas, o vibrato perfeitamente controlado e as múltiplas habilidades expressivas, podia fazer o que quisesse com a sua voz. A isso juntava o virtuosismo das suas improvisações. Foi uma das primeiras cantoras a incorporar completamente o fraseado do bebop (uma das correntes mais influentes do jazz. O bebop é uma onomatopeia: imita o som dos martelos a bater no metal na construção das linhas de ferro).

 

Música e compromisso social

Aretha Franklin, lenda da música mundial, nasceu em Memphis, em 1942. A sua carreira durou sessenta anos e posicionou-se entre os dez maiores artistas musicais de todos os tempos, graças à sua flexibilidade vocal, inteligência interpretativa e habilidade no piano, ao serviço do gospel, do jazz e do blues. Também se afirmou como voz do movimento dos direitos civis (cantou no funeral de Martin Luther King Jr, activista pelos direitos civis dos negros), a voz da América Negra (marcou mais do que simbolicamente a tomada de posse de Barack Obama, o primeiro presidente negro na história dos EUA) e como símbolo da fraternidade universal (usou a arte para ajudar o mundo a ser melhor). Com ela, a música gospel foi elevada. Amazing Grace é, para os críticos, o álbum mais importante do século xx.

Foi a primeira artista feminina a entrar para o Rock and Roll Hall of Fame, em 1987, o que é considerado uma das principais conquistas femininas na música. Naquele museu e instituição, em Cleveland, Ohio, regista-se a história dos artistas mais influentes.

Etta James nasceu em 1938, em Los Angeles. Percebeu-se que o talento natural a predestinava para a música. A mãe foi a sua principal incentivadora. Começou por cantar gospel, em que era prodigiosa, mas a vida obrigá-la-á a esforços para ser reconhecida e, ao longo dos sessenta anos de carreira, enveredou por uma ampla variedade de géneros musicais, incluindo blues, R&B, soul, rock and roll, jazz e pop. Merecidamente, está entre as maiores e mais versáteis cantoras de sempre.

Tracy Chapman, nascida em Cleveland, em 1964, canta folk, blues, soul e pop rock. Mas o seu contributo é sobretudo na formação de novas gerações de artistas da música negra. Foi uma das mais influentes artistas no meio universitário norte-americano, nos anos 1980. Actualmente, no programa A Better Chance, identifica e prepara crianças negras talentosas.

 

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