Cultura
22 maio 2019

Kugali: A alternativa africana a Marvel

Tempo de leitura: 5 min
Cansados de serem outros a contar as histórias africanas, três amigos decidiram criar a própria antologia de heróis e heroínas em banda desenhada. Com um reportório procedente de dez países do continente, esperam que a colecção Kugali contribua para a criação de outros relatos sobre a África.
Sebastián Ruiz-Cabrera
Jornalista
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Os obstáculos da indústria global são pesados e colocar nas estantes das lojas personagens que não sejam do mundo fantástico da Marvel ou de outras multinacionais semelhantes é uma tarefa difícil. Contudo, os criadores de novelas gráficas em África têm cada vez mais peso, graças sobretudo às novas estéticas e histórias que propõem. «Aos Africanos fascina-os a banda desenhada. No entanto, eles estão cansados de ver as suas culturas descritas num modo caricaturado e ofensivo», afirmam em colectivo e por correio electrónico os criadores de Kugali, uma obra antológica que reúne diferentes artistas e que apresenta diversas aproximações às realidades sociais africanas. Um trabalho com histórias que prestam homenagem ao passado, abraçam o presente e imaginam o futuro.

A colecção, que se pode comprar pela Internet, apresenta mais de uma dúzia de criadores talentosos de dez países africanos e está dividida em dois produtos: uma edição geral, projectada para todas as idades, e uma chamada Raki, criado para leitores que preferem histórias um pouco mais obscuras e sangrentas. Definitivamente, um conjunto de histórias que engloba géneros como a fantasia urbana, a ficção científica, a mitologia africana ou os super-heróis.

Mas faz-se boa banda desenhada na África? Ziki Nelson, um dos criadores deste projecto, responde: «Esta pergunta levou-nos a uma viagem de descobertas e, três anos depois, trouxe-nos até aqui. Kugali uniu alguns dos artistas mais talentosos do continente africano e da diáspora, nomeadamente da Nigéria, Quénia, Zimbabué, Zâmbia, Senegal, Camarões, Uganda, Venezuela, Brasil, Estados Unidos ou Reino Unido.»

 

Representar a África

Tanto Ziki Nelson como os outros dois co-fundadores, Tolu Olowofoyeku e Maculay Alvarez, têm muitas razões para desenvolver Kugali; mas coincidem em que a motivação principal era que nenhuma das bandas desenhadas estrangeiras mais populares representava as múltiplas culturas africanas. E, então, em vez de cair na autocompaixão, Nelson e a sua equipa envolveram-se numa missão que procura juntar o melhor do cenário do lápis e da cor. «Senti um imenso orgulho ao ver tantos artistas e escritores da África e da sua diáspora a difundir as nossas culturas e criatividade por meio da arte e da narração de histórias», explica Nelson. Embora a maioria dos seus colaboradores sejam do Quénia, Nigéria e Zimbabué, este nigeriano é optimista e considera que, proximamente, poderá ampliar o projecto a mais países. «A coisa mais importante é que as bandas desenhadas que nós mostramos estão ambientadas na África e são criadas por africanos», sublinha.

Mas uma coisa é evidente: na Nigéria, pagar as facturas só com o que se ganha pela realização de novelas gráficas não é fácil. Com 25 anos, Etubi Onucheyo, o criador de Mumu Juju, explica que o apoio da família foi fundamental. «Eu queria fazer um curso de Economia ou algo semelhante, mas o meu pai olhou para as minhas qualificações e disse-me: “Vem cá, meu menino. Tu podes estudar Economia, mas de acordo com as notas da escola primária, aquilo em que mais te destacas são as artes. Faz, portanto, algo que te motive e apaixone e que te cause menos stress.” E assim fiz, mas, realmente, os começos foram muitos difíceis.»

Outro exemplo é o artista Juni Ba, de 26 anos. Este senegalês gosta de duas coisas: sumo de laranja e desenhar monstros. Com a sua banda desenhada Kayin e Abeni, apresenta um mundo futurista, no qual a tecnologia e os dispositivos estão desgastados e, ao mesmo tempo, são resistentes. «De algum modo», explica, «o que represento é aquilo que Dacar simboliza para mim. Há carros que são destruídos, lugares com muito lixo, sol e calor... Mas isto não é, necessariamente, um problema, senão que, muitas vezes, é uma oportunidade e dá muita personalidade à história.»

Bill Masuku, do Zimbabué, apresenta a história de Razor-Man, um super-herói que vigia a ordem estabelecida. Um piscar de olho às grandes personagens norte-americanas que salvaram o mundo dos vilãos em mais do que uma ocasião. Mas, além disso, relaciona-se com a situação que, actualmente, se vive no seu país. E porque decidiu usar a banda desenhada para contar esta história? «Há algo de íntimo na realização de uma banda desenhada», explica Masuku. «Cada vinheta é um momento suspenso no tempo no qual criamos um mundo que funciona como uma ponte entre a mente do leitor e o autor. De modo diferente de um romance, a banda desenhada leva-nos um passo mais adiante e eu quis seduzir as pessoas com Razor-Man.»

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