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18 março 2024

Com Moisés, somos um!

Tempo de leitura: 9 min
Ao reflectir sobre a vocação de Moisés, vem-me à mente uma música, pelo seu título: somos um! De facto, Moisés foi uma ponte, que ligou Deus ao povo e o povo até Deus, não negando a sua fé em Deus, nem negando o povo, do qual faz parte.
Pedro Nascimento
Leigo missionário comboniano
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(© 123RF)

 

Moisés nasceu com uma sentença de morte. Naquele tempo, no Egipto, o faraó pretendia que todos os meninos hebreus fossem mortos (Ex 1, 21-22). Jocabed, a mãe de Moisés, numa tentativa de o salvar, colocou-o numa cesta de papiro e pôs nela Moisés. No rio Nilo, a filha do faraó encontrou Moisés e decidiu aceitá-lo como um filho. Podemos dizer que Moisés pertenceu, pois, à elite.

O seu coração e a sua alma pertenciam, contudo, ainda que o não soubesse, a Deus e ao povo hebreu, a que pertencia. Por esse motivo, vendo como o povo hebreu era oprimido, reagiu, matou um egípcio e, por medo, teve de fugir! Não raras vezes os nossos ideais e sonhos acabam por ser oprimidos e sufocados por uma sociedade injusta, o que nos faz desistir. Tal como Moisés, acabamos por fugir e deixamos de lutar por um mundo mais justo, mais fraterno.

Encontrar-se com Deus

No deserto, enquanto apascentava o rebanho de Jetro, encontrou Deus! Foi Deus quem chamou Moisés, quem me chama a mim e te chama a ti: «Tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa»

(Ex 3, 5).  Recordo-me de em 2017, em Carapira, Moçambique, ter descalçado os sapatos e tocar os pés no chão: sentir o sagrado e o misterioso daquele chão, daquele país, daquele povo que me acolheu. Perante Deus estamos descalços, estamos sem máscaras, sem desculpas.

Neste encontro íntimo, percebe-se que o nosso Deus não é um Deus passivo, que fica à espera de ser chamado, mas antes um Deus que se compadece com o sofrimento do seu povo: «Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egipto» (Ex 3,7). Como nos ensina o Papa Francisco, «quero apontar-vos, na narração do Êxodo, um detalhe de não pequena importância: é Deus que vê, que se comove e que liberta, não é Israel que o pede» (Mensagem para a Quaresma de 2024). Na nossa relação com Deus, Ele continua a chamar, continua a bater à porta do nosso coração e se a abrirmos Ele entrará para nos habitar (Ap 3,20).

A missão libertadora

Deus veio para salvar o seu povo e destinou Moisés para o libertar da opressão. Sucede que, perante a grandeza dos planos que Deus tinha, Moisés deu justificações para não aceitar a missão e recorreu às suas limitações. Quantas vezes duvidamos de nós, das nossas capacidades? Quantas vezes os nossos olhos vêem apenas os defeitos, as limitações? Contudo, Deus sabe de que somos feitos, Ele é o oleiro e nós o barro e nos capacita para cumprir a missão a que somos destinados.

Moisés, um homem bom, que fugiu do Egipto, regressa porque confiou na palavra de Deus, porque acreditou no amor que Deus tem pelo seu povo, porque sabe que Deus lhe deu uma missão e a sua vocação passa por salvar o povo de Deus. A fidelidade de Moisés à vontade de Deus deve ser para nós exemplo, um lindo testemunho de que, apesar das nossas fragilidades, Deus nos chama, nos ama e caminha connosco. Moisés não caminha só, mas Deus está com ele, está nele.

Com Deus, Moisés livra o seu povo do cativeiro do Egipto. Contudo, apesar de ter visto os prodígios que Deus é capaz de realizar, o povo nem sempre é fiel a Deus. As dificuldades no deserto, no caminho para a terra prometida, fazem com que o povo por vezes se desvie de Deus. Moisés permanece fiel a Deus e ao seu povo, às suas raízes e à sua fé. Mesmo quando o povo decide fazer um bezerro de ouro, Moisés, sabendo que o seu povo não agiu correctamente, intercede junto de Deus: «Rogo-vos que lhe perdoeis este pecado! Caso contrário, apagai-me do livro que escrevestes!» (Ex 32,32). O Papa Francisco diz-nos que «Moisés é tão amigo de Deus que pode falar com Ele face a face (cf. Ex 33,11); e permanecerá tão amigo dos homens que sentirá misericórdia pelos seus pecados, pelas suas tentações, pela inesperada nostalgia que os exilados têm em relação ao passado, lembrando-se de quando estavam no Egipto» (Catequese sobre a oração de Moisés, 17 de Junho de 2020).

A fidelidade de Moisés à vontade de Deus e o seu amor pelo povo fazem dele um pastor convicto e humilde. O seu testemunho inspira-nos a sermos pontes entre Deus e aqueles que nos rodeiam: fiéis à palavra de Deus e confiantes no seu amor por nós e nunca esquecendo as nossas raízes.

 

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A irmã Joana examina uma criança no hospital de Wau, Sudão do Sul

 

Testemunhas da Boa Nova

Moisés foi um profeta rico em palavras e obras (Act 7, 22). Na vivência da nossa vocação, nas nossas vidas, no nosso quotidiano devemos sempre viver segundo aquilo em que acreditamos, as nossas palavras devem ser testemunhadas pelos nossos gestos, a fé que professamos deverá ser concretizada com acções. Assim entende a sua vocação missionária a irmã Joana Carneiro, que no passado mês de Outubro fez os seus votos perpétuos na congregação das Missionárias Combonianas. Quando ainda estudava Medicina, a Joana conheceu o instituto feminino fundado por São Daniel Comboni. «Após anos intensos de procura, senti que Deus me chamava a comprometer-me mais seriamente com o meu projecto vocacional. E assim, sentindo fortemente o chamamento a ser missionária comboniana, uma vez terminado o curso de Medicina, comecei as etapas de formação religiosa», refere a irmã Joana.

Nos últimos anos, a irmã Joana esteve no Sudão do Sul. A sua principal missão foi trabalhar no campo da saúde, concretamente no hospital da cidade de Wau. Como explica, colaborou na libertação deste povo com acções concretas, nomeadamente em «cuidar da maternidade, dar atenção às mulheres grávidas e crianças com menos de 5 anos, dos mais frágeis, e depois cuidar dos doentes com malária, principal doença que encontramos no Sudão e que causa muita morbilidade». O objectivo do seu apostolado era «criar condições para que as pessoas se possam realizar plenamente na dignidade como seres humanos».

A irmã Joana confessa que estes anos de missão foram um convite a abrir-se à «capacidade criativa de encontrar e ser resposta aos desafios que vão surgindo». Simultaneamente, fez-lhe «descobrir dons, capacidades e também fragilidades e limitações com as quais, criativamente», pôde «ser resposta de amor, do amor de Jesus, para o povo do Sudão do Sul». Nesta realidade, mostrou que Jesus Cristo está presente e ainda hoje caminha connosco, chamando homens e mulheres para serem testemunhas alegres e generosos da Boa Nova e colaborarem na libertação dos que mais sofrem. Em 2019, a irmã Joana escrevia numa carta: «Com a ajuda de Deus vamos caminhando, dia após dia, procurando aliviar o sofrimento permanecendo junto da Cruz como Maria a Mãe de Jesus. Por isso, os pequenos sinais de ressurreição são muito importantes. O Mistério da fé que celebramos todos os dias é um convite a prestar atenção aos pequenos sinais de vida. São João conta-nos no seu Evangelho, que, quando os primeiros discípulos vão ao túmulo encontram primeiramente aqueles pequenos sinais: o lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus não estava com os panos, mas enrolado num lugar à parte (João 20,6-7). São os pequenos e subtis sinais que apontam para a possibilidade da Vida nova. Que alegria, que emoção quando se nos anuncia que Jesus Vive! É por Ele que os pobres vivem! É o nosso Deus quem dá a todos Vida em abundância.» 

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Novembro 2024 - nº 751
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