Durante o tempo em que estive na Etiópia, na missão de Gilgel Beles, muitas vezes aos domingos à noite víamos um filme. O padre Juan Núñez, missionário comboniano, tinha vários no seu computador. Um dos filmes de que me recordo foi a História de Rute. Confesso que pouco conhecia sobre esta personagem bíblica. Contudo, no filme impressionou-me a sua história de fidelidade e senti necessidade de descobrir mais sobre Rute, através da Palavra de Deus.
Na leitura da Palavra somos sempre inspirados a uma união com Deus, a compreender a sua sede de amor por nós e a aprender com tantos homens e mulheres a amar, a viver e a anunciar Deus nas nossas vidas (e, se necessário, com palavras).
O amor que perdura
No tempo de Eliméleque e Noemi, havia grande fome em Israel, pelo que estes, que viviam em Belém, decidiram, em conjunto com os seus dois filhos, Maalon e Quilion, emigrar para Moabe, em busca de melhores condições de vida. Já em terra distante, Maalon e Quilion casaram-se com mulheres moabitas. Sucede que Noemi ficou viúva e passou pela dolorosa tristeza de ver os seus filhos morrerem também. Só Deus sabe a dor desta mulher, o que passou, as lágrimas derramadas, a tristeza vivida. Ficaram três mulheres, viúvas, fragilizadas, pobres, com inúmeras dificuldades.
Actualmente já muito se avançou pela dignidade da mulher, pela defesa dos seus direitos, pela justiça e igualdade (sendo certo que muito haverá, ainda, por trabalhar). Contudo, naquele tempo, ficando viúva, a mulher ficava frágil, exposta, sem garantia de sustento (proporcionado pelo marido), sujeita à benevolência de familiares. A vida de Noemi, de Rute (mulher de Maalon) e de Orpa (mulher de Quilion) passava por tempos delicados. Ao pensar na vida destas mulheres, recordo-me das mulheres gumuz, mulheres guerreiras, extremamente trabalhadoras, mas tão subestimadas, tão desvalorizadas. Mas Deus nunca abandona, Deus está com elas!
Com a perda do marido e dos filhos, Noemi decidiu regressar a Israel e, com amor maternal, propôs a Rute e a Orfa que seguissem as suas vidas, que ficassem na sua terra, Moab, e junto dos familiares e amigos orientassem as suas vidas. Orfa decidiu seguir o conselho de Noemi. No entanto, Rute tinha outra decisão: queria acompanhar Noemi, ser o seu amparo na velhice, acompanhá-la para onde fosse. As palavras de Rute (nome que significa «a amiga») devem servir de inspiração para todos nós: «Não insistas para que te deixe, pois onde tu fores, eu irei contigo e onde pernoitares, aí ficarei; o teu povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus. Onde morreres, também eu quero morrer e ali serei sepultada. Que o Senhor me trate com rigor e ainda o acrescente, se até mesmo a morte me separar de ti» (Rute 1, 16-17). Rute fica com a sogra, provavelmente pondo em prática o que Noemi lhe ensinou: expressar os seus sentimentos de gratidão e a sua fé em Yavé com gestos concretos de amor.
Abertura aos planos de Deus
A fé, a fidelidade e o amor de Rute são genuínos. As suas palavras, mais que bonitas e comoventes, são verdadeiras. Das palavras de Rute brotaram vida. Rute foi fiel ao que disse, foi fiel a Deus, foi fiel a Noemi, foi fiel a si própria.
Quando se pensa que a vida de Rute já era difícil, eis que a mesma, por força do seu Amor a Deus e a Noemi, se propõe a emigrar para uma terra desconhecida, a viver a cultura e costumes de um povo diferente do seu, a viver e a Amar um Deus único, diferente dos deuses venerados em Moab. Acrescenta-se a isto que nem Rute nem Noemi tinham dinheiro, eram pobres e não tinham protecção de nenhum homem que as sustentasse. Rute quis viver como uma verdadeira israelita, quis amparar Noemi, mas teve de passar na carne as dores e o sofrimento da sua fidelidade e do seu amor a Deus e a Noemi.
A entrega e o amor verdadeiros têm de sair de nós, do nosso íntimo. A entrega implica também o sacrifício, os medos, as dúvidas… Mas, apesar de tudo, apesar de tanto sofrimento, Rute decide amar, entregar-se por amor, ser testemunha do amor de Deus!
Rute não foi apenas fiel à sua palavra, procurou também trabalhar arduamente em busca de alimento para si e Noemi. Por isso foi para os campos, respigar. Quis Deus que Rute fosse respigar nos campos pertencentes a Booz, parente de Eliméleque. Quando viu Rute a trabalhar nos seus campos e sabendo da sua história e da sua fidelidade a Noemi, Booz acolheu-a e decidiu protegê-la.
Posteriormente, após cumpridos todos os preceitos e tradições, Rute e Booz casaram-se. Com esta união, Rute e Noemi foram resgatadas e protegidas. Desta união surgiu um filho, ao qual deram o nome de Obed. O grande Rei David era neto de Obed. Ela, uma estrangeira, contribuiu com a dinastia davídica de onde procede Jesus.
Este testemunho vivo de Rute, mulher que segue os planos de Deus e o encontra nos acontecimentos quotidianos, ainda quando o seu futuro estava marcado pela incerteza e a desesperança, deve inspirar-nos a sermos fiéis a Deus, aos que amamos, à família, à Humanidade! Juntamente com Rute, na vivência da nossa vocação, devemos ser perseverantes na fé, alegres na entrega, abundantes no Amor.
Servir aos que mais necessitam
Rute é uma inspiração para servir e amar aos que mais precisam de carinho e afecto. Assim o fazem muitas mulheres na actualidade, que deixam a sua terra e dedicam a vida ao serviço dos mais pobres e necessitados. É o caso da irmã Marie Shoko Luviringa, de nacionalidade congolesa, missionária comboniana há cinco anos. Ela encontra-se no Chade desde 2018 e trabalha como enfermeira no Hospital de São José em Bebedjia, no Sul do país, na diocese de Doba.
A Ir. Marie conta-nos o seu trabalho quotidiano: «Aqui, no hospital, cada dia é especial, com os seus imprevistos, as suas alegrias e as suas surpresas. O trabalho não falta e, por vezes, poder-se-ia dizer que é excessivo, porque não temos muito pessoal médico. Sou a chefe do serviço de cirurgia, mas na verdade faço um pouco de tudo em todos os serviços: preparar os doentes para as operações, registar os novos pacientes, preparar a terapêutica para os enfermos com tuberculose, etc. Sou também responsável pela supervisão dos medicamentos, para que não haja faltas, e os cuidados que as enfermeiras prestam aos doentes.»
E frisa que, numa unidade hospitalar com tão poucos recursos, nunca faltam os imprevistos: «O inesperado nunca falta no hospital e, desde que trabalho no departamento de cirurgia, apercebi-me de que recebemos frequentemente casos de emergência de traumatismos graves, alguns dos quais requerem atenção no bloco operatório, pelo que temos de os preparar urgentemente para a cirurgia. Podem ser pancadas, lutas... E o que me impressiona são os traumatismos durante a época da manga, porque as pessoas sobem às árvores para apanhar este fruto e, como os ramos são muitos frágeis, há muitas quedas com consequências por vezes muito graves, até a morte.»
A comboniana, além dos encargos no hospital, também acompanha o grupo das meninas encarregadas das procissões, com música e dança, que se realizam durante o momento do ofertório na missa dominical. «Todos os sábados à tarde encontramo-nos para preparar a coreografia, ler a Palavra de Deus e ensaiar juntas», refere.
A irmã Marie assinala que se sente realizada, é muito feliz por ser enfermeira e por viver esta experiência de missão no Chade.
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