A vocação, dom de Deus para cada pessoa, é manifestação do Amor do Senhor por cada um de nós, um amor incondicional que começa mesmo antes do nosso nascimento. Podemos compreender isso através da vocação de Jeremias, quando o Senhor lhe diz: «Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei e te constituí profeta das nações» (Jer 1, 4-5).
Com efeito, Deus ama-nos, conhece-nos, chama-nos à felicidade e no nosso coração estará sempre uma sede de Deus, do Seu Amor, de fazer a Sua vontade, apesar dos medos, das dúvidas, dos anseios. Refere o Papa Francisco que «a vocação brota do coração de Deus e germina na terra boa do povo fiel, na experiência do amor fraterno» (Mensagem para o 51.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações).
Viver em plenitude
No caminho de discernimento pessoal, importa compreender a nossa essência, o que nos faz feliz, a que somos chamados. Nem todos somos chamados a ser profeta das nações como Jeremias, mas somos chamados a uma vocação específica! E se formos fiéis à nossa vocação, de certeza que faremos coisas maravilhosas na nossa relação com Deus, na nossa vida, na vida dos que nos rodeiam. Viver em plenitude a nossa vocação é assumir o desejo de ser santos
(1Ped 1, 16) ou, como refere São Daniel Comboni, «santos e capazes».
A construção de um mundo melhor, mais justo e fraterno passa pela vivência genuína da nossa vocação. Santo Afonso Rodrigues, irmão jesuíta, foi porteiro numa escola e, na simplicidade da sua vida, conseguiu ser luz para aqueles que consigo se cruzavam.
Assumir a sua vocação não foi fácil para Jeremias, que logo disse ser muito novo (Jer 1,6), tal como não será fácil para cada pessoa compreender (e, por vezes, aceitar) a vocação. Para mim também não foi fácil assumir o desejo de viver a vocação laical e missionária e partir para outra terra; quantas vezes pensei que não tinha dons para partilhar, que não me iria adaptar; quantas vezes me questionaram sobre o que ia fazer; quantas vezes me disseram que há tanto para fazer no nosso país. E todas são questões legítimas!
O discernimento espiritual, a oração, a escuta de Deus, permitiu compreender a que sou chamado! Cada um é chamado a algo em específico e o importante é viver com alegria a nossa vocação, seja na nossa aldeia, vila ou cidade, ou noutro país! Ecoam em nós as palavras de João Paulo II: «Irmãos e irmãs: não tenhais medo de acolher Cristo».
A vocação de Jeremias inspira-me muito, ajudou-me bastante no meu discernimento pessoal. Existe uma música da irmã Glenda, que escutei (e escuto) inúmeras vezes e usa o texto de Jeremias (cf. 20, 7-9): «Tu seduziste-me, Senhor, e eu deixei-me seduzir!» No caminho que vamos fazendo, Deus seduz-nos, estimula-nos a viver a vocação. Não impõe! Mas pacientemente, consegue derrubar as nossas barreiras, as resistências e no fim, vencidos, diremos: «Dominaste-me e venceste-me.»
Fiel à vocação
Na fidelidade à sua vocação, Jeremias sofreu. Chegou mesmo a desejar a sua morte (cf. Jer 20,17). Aliás, Jeremias chegou mesmo a desejar não pensar, nem falar mais em Deus. Contudo, acaba por confessar: «No meu coração, a sua palavra era um fogo devorador, encerrado nos meus ossos» (Jer 20,9).
Assumir na nossa vida a vocação de Deus pode ser bastante difícil. Viver os valores do Reino, muitas vezes considerados ultrapassados pela sociedade, escutar a vontade de Deus quando a nossa é completamente diferente é incómodo, cria tensão. Aconteceu com Jeremias, com imensos homens e mulheres ao longo dos tempos, acontece nos dias de hoje. Mas Jeremias foi fiel. Apesar das dores, das lamentações, Jeremias cumpriu a sua missão, falou de Deus ao Povo, convidando à conversão (Jer 7,3), denunciou a adoração de outros deuses (Jer 7, 16-20 e as injustiças sociais (Jer 12, 1-5).
Na história vocacional de Jeremias, verificamos que Deus é fiel à Sua Palavra, está connosco. Jeremias ensina-nos a ser fiéis à Palavra de Deus, apesar das dificuldades que possam surgir. Seguir Jesus em fidelidade à vocação implica assumir também os dissabores que por vezes surgem, implica viver com e por Amor. Como nos ensina o Papa Francisco: «Mas existe um amor maior, um amor que vem de Deus e se dirige a Deus, que nos permite amar a Deus, tornando-nos seus amigos, e nos concede amar o próximo como Deus o ama, com o desejo de partilhar a amizade com Deus. Por causa de Cristo, este amor impele-nos para onde humanamente não iríamos: trata-se do amor pelos pobres, pelo que não é amável, por quem não nos ama e não nos é grato. É o amor pelo que ninguém amaria; até pelo inimigo. Até pelo inimigo. Isto é “teologal”, vem de Deus, é obra do Espírito Santo em nós» (Audiência geral, 15/05/2024).
Testemunha do amor de Cristo
O padre Fugain Dreyfus Yepoussa é um jovem comboniano da República Centro-Africana. Está agora em Espanha e vem do Peru, onde esteve seis anos a prestar o seu serviço missionário. Conta-nos o seu testemunho vocacional e frisa que, como Jeremias, teve momentos de alegria, mas também de solidão e incompreensão. No entanto, sempre viveu com serenidade e com a certeza de que Deus o chama a ser missionário.
«Quando estava na escola secundária, encontrei-me com um ex-postulante comboniano. Ele falou-me de São Daniel Comboni e ofereceu-me o livro Salvar a África com a África. Ao lê-lo, senti que Deus me chamava a dar o meu pequeno contributo para “salvar a África”. Decidi contactar os Missionários Combonianos. Assim começou o meu caminho de discernimento e de formação na congregação. Em 2006, entrei no postulantado em Bangui e quando terminei fui enviado para o noviciado de Cotonou, no Benim.
Fiz os votos religiosos e fui destinado à R. D. do Congo, para estudar Teologia. Em 2015, regressei ao meu país para um período de serviço missionário.
Em 2017, depois da ordenação sacerdotal, deixei o meu continente para partir para o Peru. Durante seis anos fiz uma experiência missionária na paróquia de Buen Pastor na cidade de Arequipa. Conhecer outro povo, outra cultura, outra língua e, sobretudo, outra forma de viver a fé cristã e católica enriqueceu-me; foi uma graça ter partilhado a minha fé com eles.
As visitas às famílias da paróquia ajudaram-me a conhecer melhor a realidade pastoral peruana. Recordo com especial carinho os seis meses que passei num bairro chamado Huarangal. Durante a tarde ia de casa em casa para cumprimentar e passar tempo com as pessoas. Estas visitas permitiram-me entrar em contacto com a realidade da pobreza. O que mais me impressionou foi a alegria das pessoas simples. Isso ajudou-me a compreender que a felicidade não depende de bens materiais.
Nem tudo no Peru foi cor-de-rosa. Não faltaram momentos de solidão por estar longe da família. Além disso, a vida numa nova cultura tão diferente da minha não foi fácil. Por vezes, senti-me incompreendido e fiquei chocado com certas reacções das pessoas em relação a mim por ser africano, mas compreendo muito bem que tudo isto faz parte dos desafios missionários.
Depois de seis anos no Peru, posso dizer que a vida missionária é o caminho que o Senhor traçou para mim. Vale a pena ser missionário comboniano, porque para mim não há maior alegria do que partilhar a minha fé cristã com os mais pobres e abandonados.»