Após seis anos de presença missionária no Nordeste brasileiro, na missão de Piquiá, periferia do município de Açailândia, no Estado do Maranhão, fomos chamados a uma nova etapa como família leiga missionária comboniana (LMC). No mês de Julho de 2023, partimos com a nossa pequena Maria Aparecida, com pouco mais de 2 anos de idade, até à Casa de Missão Santa Teresinha, casa de referência dos LMC do Brasil, localizada na Vila Ipê Amarelo, periferia do município de Contagem, no Estado de Minas Gerais, região Sudeste, percorrendo mais de 2000 km pelas estradas do Brasil.
Ao chegar a terras mineiras, após mais de três dias de viagem, fomos acolhidos pela LMC Cristina Paulek, que aí estava há alguns meses, preparando-se para partir para a República Centro-Africana. Celebrámos juntos a sua missa de envio na comunidade Nossa Senhora Aparecida, próxima à nossa casa, sendo uma das dez comunidades da paróquia comboniana de São Domingos de Gusmão, na região de Nova Contagem. Seguiu-se um almoço partilhado com as pessoas da comunidade na casa de missão, com momento de memórias da caminhada, da história e presença LMC neste território, e de um «até breve» à Cristina, que tanto se dedicou a este povo, em diferentes momentos da história.
Após a partida da Cristina, a nossa tarefa foi preparar a casa para acolher a família italiana que estava a caminho para integrar a comunidade missionária connosco. Glória, Matteo e o pequeno Natan, de 3 anos, da diocese de Módena, Itália, já tinham ultrapassado os trâmites burocráticos de documentação e visto, e chegariam em breve. Começámos, então, a pensar os espaços da casa, a reorganizar as divisões, de modo que pudesse acomodar as duas famílias com as crianças da forma mais acolhedora possível, proporcionando espaços de privacidade e ambientes em comum. Ao mesmo tempo, iniciámos o processo de aproximação da comunidade e da realidade local, para podermos, aos poucos, escutar e perceber aquilo que Deus nos convida a fazer por aqui.
Colaboração missionária
Com a chegada da família italiana, apoiámo-los na tarefa de inserção e inculturação, nos espaços da casa e da comunidade paroquial, seguindo juntos nesse percurso do reconhecimento e escuta da realidade local.
Semanalmente, realizávamos um momento para partilhar as nossas impressões e sentimentos do que fomos vivenciando. Diante dos diferentes desafios existentes, fomos vendo as possibilidades de caminhar junto com as pessoas, a partir daquilo com o que poderíamos colaborar, integrando com isso a nossa realidade de família.
Um dos passos foi, junto com o padre comboniano Ricardo, animar o Grupo de Espiritualidade Comboniana (GEC) de Nova Contagem, que tinha estado por muito tempo sem se encontrar, e que desde a chegada recente desse padre estava retornando as actividades. O grupo é formado por lideranças das diferentes comunidades da paróquia, e reúne-se mensalmente para aprofundar o carisma comboniano e organizar acções de animação missionária a nível paroquial, como a semana missionária no mês de Outubro, o tríduo do nascimento de Comboni no mês de Março, a memória do martírio do padre Ezequiel Ramín, comboniano italiano assassinado na região amazónica em 1985, no mês de Julho, entre outras. O Flávio tem-se somado no acompanhamento desses encontros e tem sido uma caminhada interessante, também de aproximação com as lideranças, o que proporciona um maior conhecimento e colaboração.
Outro desafio é a presença nas iniciativas da Casa Comboniana de Justiça e Paz, localizada nas proximidades da casa paroquial, que proporciona diferentes serviços: atendimentos psicológicos; terapias de saúde integrativas; grupo de artesanato para mulheres; apoio a pessoas com necessidades de acompanhamento em tratamentos de saúde; atendimento de pessoas em situação de insegurança alimentar, com o fornecimento de cestas básicas de alimentos; pastoral da escuta. Nas instalações também se realizam actividades pastorais e de formação da paróquia, nomeadamente na área da pastoral afro, com a reorganização do movimento dos APN (Agentes de Pastoral Negro) que reflectem e aprofundam a questão do combate ao racismo através do resgate das raízes culturais e sua riqueza (iniciativa apoiada pelo Projecto Solidário JIM, ver página 51).
A Liliana, LMC portuguesa, tem realizado semanalmente o atendimento com a terapia de biomagnetismo neste espaço, terapia que conhecemos no Maranhão e que é um milagre de Deus na nossa vida, pois nos possibilitou a graça de ampliar a nossa família com a vida da nossa filha.
Desafios
Na comunidade do Ipê Amarelo, um desafio percebido foi a desarticulação da associação comunitária do bairro desde o período da pandemia. Era um grupo activo, sobretudo com o atendimento dos idosos da comunidade, a promoção de momentos de convívio e de conversação, as oficinas de artesanato. Não obstante, desde o período da pandemia, por diferentes razões, incluindo a questão da partilha do espaço físico da sede da associação com outro grupo, as actividades estavam paradas.
Dialogando com as pessoas e escutando as suas lembranças e expectativas, temos articulado uma retoma desses momentos comunitários, enquanto contribuímos na construção de um diálogo mais colaborativo com o grupo que partilha o mesmo espaço. Há algumas semanas temos conseguido realizar nas segunda e quartas-feiras à tarde um momento de encontro, alternando com rodas de conversa e oficinas de formação. Já conversámos sobre os problemas de abastecimento de água no bairro, prevenção de infarto, terapia de biomagnetismo, pessoas da comunidade que estão em dificuldades. Além disso, o Flávio tem realizado encontros que visam o desenvolvimento da meliponicultura (criação de abelhas melíponas, isto é, produtoras de mel) como forma de colaboração com o meio ambiente, proporcionando espaços para a multiplicação desses agentes polinizadores nos espaços urbanos. E a Liliana iniciou o atendimento com o biomagnetismo também no espaço da associação, sendo um local mais próximo para as pessoas da comunidade.
Em casa, a vida comunitária foi-se organizando e reorganizando, conforme a realidade de cada etapa. No terreno da casa de missão há duas construções. Nos primeiros meses, a nossa família ocupou a sala da casa maior como quarto, enquanto se ampliava a estrutura da casa existente ao lado para poder ter um quarto também para a pequena Maria. A obra, que se pensava levar três meses, levou nove. Quase como gerar uma criança, gerámos e gerimos essa relação comunitária ao longo desse tempo e então partimos para o novo espaço, ainda em organização. Têm sido tempos de crescimento e constante amadurecimento, pessoal e das relações. A Maria, desde o início do ano, está na escolinha, também para nós uma nova etapa e desafio, como para todos os pais.
Passado quase um ano desde a nossa chegada, temos vivido diferentes momentos, alguns mais desafiadores, outros mais alegres e motivadores. Integrar missão como família é um caminho exigente, e ao mesmo tempo, profundamente recompensador. Caminhar com a comunidade, ver as crianças integradas, e aprender a cada dia a confiar no Deus que nos envia! Tudo é missão! A vida é missão!