A história vocacional de Isaías é a demonstração clara de que o amor de Deus por cada um de nós é maior que todas as nossas fragilidades. Tal como referia São Paulo, «onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rom 5, 20).
Ouvir a voz de Deus
Isaías foi levado até à presença de Deus: «Vi o Senhor sentado num trono alto e elevado; as franjas do seu manto enchiam o templo» (Is 6, 1). Durante esta visão, Isaías teve a oportunidade de ver como os serafins clamavam para Deus: «Santo, santo, santo.» Ora, Isaías na sua visão percepcionou a grandeza e pureza de Deus, a sua santidade.
Perante a grandeza de Deus, sentimo-nos pequenos, sem saber como reagir. Sentimos que não somos suficientes para o Pai, nem dignos do Seu amor. Perante a grandeza do Amor de Deus sentimos que nunca poderemos ser seus servidores pois somos pecadores, frágeis, jamais saberemos anunciá-lo como Ele merece. Perante Deus, Isaías diz: «Ai de mim, estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, que habita no meio de um povo de lábios impuros» (Is 6, 5).
O amor de Deus por cada um de nós não é “um prémio” por sermos bons, mas sim incondicional. Deus amou-nos, ama-nos e sempre nos amará. Seremos livres para corresponder ao Seu grande amor por nós! Contudo, o seu perdão e a sua misericórdia serão sempre superiores à nossa fragilidade e pequenez.
Tal como Isaías, perante Deus, sentimos, muitas vezes, o amargo das nossas condutas, da nossa falta de confiança no Senhor, do nosso afastamento à Sua Palavra. Contudo, Deus será sempre Amor e fiel aos Seus desígnios! Na nossa relação com Deus, devemos estar conscientes de que a proposta vocacional de Deus é um convite à felicidade duradoira. Não é por acaso que o anjo São Gabriel aparece a Maria dizendo: «Salve, cheia de graça, o Senhor está contigo» (Lc 1, 28).
Aceitar a vocação
Deus acredita em cada um! Tem um caminho para cada pessoa! O Seu chamamento poderá ocorrer de diversos modos e a nossa resposta será sempre livre. Contudo, devemos ser fiéis a nós mesmos! Perante a grandeza do Amor de Deus, perante a confiança que Deus deposita em nós, apesar de nos conhecer – bem como as nossas fragilidades –,
a nossa resposta, à pergunta de Deus (Quem enviarei?), tem de ser igual à do profeta Isaías: «Eis-me aqui, envia-me»
(Is 6, 8). Esta resposta clara e sem reservas, por parte do profeta Isaías, recorda-nos também as Palavras de Nossa Senhora: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra!» (Lc 1,38).
Isaías tinha um bom autoconhecimento. Estava ciente da sua pequenez, da sua fraqueza. Fez, por isso, uma experiência de conversão e de reconhecimto da misericódia e do amor de Deus. Com a certeza desse amor de Deus, ele aceita o convite de Deus para anunciá-lo no meio do povo.
Cada um nós também é convidado pelo Senhor a aceitar livremente a sua vocação, não obstante as suas debilidades e misérias. Como refere São Paulo, é o Senhor que nos chama e Ele é a nossa força, pois o Seu poder manifesta-se na nossa fraqueza (cf. 2 Cor 12, 1-10).
No silêncio fecundo da oração, digamos ao Senhor: «Eis-me aqui, envia-me! Eis-me aqui, porque estou aqui para ti, Senhor! Quero estar de coração aberto ao Teu amor, à Tua palavra. Envia-me, porque apesar das minhas fragilidades, sou precioso para Ti e quero ser testemunha do Teu amor!»
A vocação de Isaías não ficou presa nele mesmo! A sua vocação foi uma vocação para o povo! De facto, este povo é amado também pelo Senhor.
Vocação,
dom para o mundo
Através da leitura do Livro de Isaías podemos comprovar que este foi um profeta decidido, sem medo de falar de Deus ao Povo. Isaías foi um homem que se ofereceu voluntariamente e totalmente a Deus.
Apesar dos avisos contínuos ao Seu Povo, alertando que Deus sentia mágoa pela desobediência daqueles, o profeta Isaías foi também um homem de esperança. Para mim, as palavras de Isaías ecoam frequentemente no meu coração com uma leitura que costumamos escutar no tempo do Natal: «O povo que andava nas trevas viu uma grande luz [...] porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da Paz» (Is, 9, 1; 5). No meio da tribulação, no meio de tantas guerras, de tanto ódio, da morte de tantos inocentes, confortam-me as palavras de Isaías, que anuncia a chegada do Príncipe da Paz! A vocação de Isaías, a minha vocação, a tua vocação nasce de Deus, mas não termina em nós!
A alegria de testemunhar o amor de Deus
Seguindo o exemplo de Isaías, podemos compreender que a vocação de cada um de nós deve ser dom para os outros: chamados e enviados a anunciar o Amor de Deus a todos os que nos rodeiam.
A irmã comboniana Loreta Beccia experimenta na sua vida essa alegria de testemunhar o amor de Deus na República Democrática do Congo e no Equador. Ela conta: «Vivo a minha vida missionária agradecida a Deus por tantos dons recebidos: pessoas encontradas, histórias ouvidas, vidas partilhadas. Sinto-me feliz por descobrir nas diferentes culturas uma grande riqueza que me ajuda a ver que Deus está em todas elas e que é maior do que tudo... Isto torna-nos irmãos e irmãs na nossa diversidade».
E lembra uma história de superação que a impressionou no Equador. «Marcelo era um rapaz de 17 anos, que respondeu com raiva e violência a uma vida cheia de dor, provações, rejeição e abandono. Conhecemo-nos e a vida dele mudou a minha. Na escola queriam expulsá-lo por um acto de violência que tinha cometido. Naquele momento lembrei-me de Comboni, que dizia: “Temos de estar do lado dos últimos, dos mais necessitados e abandonados, esta é a nossa missão!” Pus-me ao seu lado e disse que me responsabilizava. Fizemos um caminho juntos, ele deixou-se ajudar, começou a acreditar em si próprio e nas suas capacidades. Teve a força e a coragem de deixar o velho Marcelo para que o Marcelo renovado pudesse ressurgir. Ele queria ser jogador de futebol, mas hoje está a estudar para ser assistente social.
E sabem porquê? Porque um dia ele disse-me: “Eu sei o que é cair num buraco fundo, mas também sei o que é encontrar uma mão estendida para nos ajudar a sair. Hoje, com a minha experiência, posso ajudar outros jovens!” Comboni diria: “Salvar a África com a África” ou, neste caso, “salvar os jovens com os jovens!” Para Deus nada é impossível.»
A jovem missionária comboniana afirma que, no Equador, conviveu com 2500 alunos dos 3 aos 17 anos. E refere que eles foram os seus «grandes professores», pois ensinaram-lhe que «a vida é um dom precioso e que ninguém tem de a desperdiçar».
A Ir. Loreta sublinha que na sua experiência missionária sente que o Senhor lhe deu mais do que podia imaginar: «sorrisos, abraços, amizade, confiança». Por isso, agardece ao Senhor pelo vivido, certa de que pode «seguir em frente», porque «Deus é sempre enormemente generoso em tudo o que faz».