Judite era viúva e vivia na cidade de Betúlia. Fora casada com Manassés. Judite, mulher de Deus, «jejuava todos os dias da sua viuvez, excepto ao sábado e nas suas vésperas, nas festas da lua nova e suas vésperas, nas festas e nos dias de alegria para a casa de Israel» (Jt 8, 6).
Sucede que uma grande ameaça de destruição do povo de Israel, e especialmente da cidade de Betúlia, fez com que o povo quisesse entregar-se ao inimigo. Holofernes, general de Nabucodonosor, rei da Assíria, inimigo prepotente e insolente de Deus, cercou a cidade de Betúlia com dezenas de milhares de homens e impediu-os de terem acesso a água e comida. Por esse motivo, após trinta e quatro dias de cerco, «os recipientes de água dos habitantes de Betúlia ficaram vazios; as suas cisternas começaram a ficar esgotadas sem água para poderem beber a sua porção diária, uma vez que a água era racionada» (Jt 7, 20-21). Nessa situação, o povo decidiu render-se ao inimigo: «Para nós, é melhor sermos sua presa. Seremos seus escravos, mas as nossas vidas serão poupadas e não teremos de assistir à morte das nossas crianças diante deles, numa grande destruição» (Jt 7,27). Decidiram manter-se na cidade durante mais cinco dias e depois disso, entregar-se ao general Holofernes e ao seu exército, sedentos de destruição e pilhagem.
Depois de ter conhecimento da decisão do povo, Judite, com o ímpeto e coragem de uma profetisa, chamou os anciãos a sua casa e procurou dissuadi-los da decisão: «Apesar de tudo, dêmos graças ao Senhor, nosso Deus, que nos está a pôr à prova, tal como fez com nossos pais» (Jt 8, 25). E, confiante em Deus, teve um plano: sair da cidade com a sua escrava, ir ao encontro de general Holofernes e conseguir matá-lo. E assim fez! Com a sua beleza física, inteligência e capacidade de argumentação, conseguiu convencer o poderoso general de que o povo iria ser alvo de um castigo do seu Deus e que ele não iria perder nenhum dos seus homens nesta batalha, bastando aguardar. Durante o tempo em que esteve no acampamento, Judite encontrava-se em plena sintonia com Deus, rezando. A sua bela aparência não passava despercebida e o general desejava Judite. Por isso, uma noite, após o banquete, Judite ficou na tenda do general, o qual se encontrava bastante embriagado. Aproveitando que o general se encontrava debilitado, Judite cortou-lhe a cabeça e regressou à cidade. O povo percebeu que Deus não os abandonara e que, por intermédio de uma mulher viúva, conseguiu mostrar a sua força e grandeza. Para conseguir a libertação do seu povo, Judite foi corajosa e pôs em risco a sua própria vida. Conquistou a estima da comunidade com a sua sabedoria e coragem e tornou-se o orgulho de Israel (cf. Jt 15,9).
A história de Judite demonstra-nos como os nossos caminhos não são os de Deus. Várias vezes o Senhor nos demonstrou que nós olhamos à aparência e aos usos sociais. Quem pensaria, naquele tempo (e neste também), que um numeroso exército com um poderoso general sairia derrotado pela astúcia de uma viúva. Ela pode cantar que Deus derruba os poderosos e eleva os humildes. Deus sabe o que faz e sabe quem o ama e o segue de coração sincero! Por esse motivo, Judite, fiel a Deus e cheia do seu temor, soube compreender quanto Deus ama o Seu povo e não o abandona!
Este livro bíblico também ajuda a compreender que, nos vários momentos da nossa vida, nem sempre confiamos plenamente em Deus e nem sempre seguimos os seus mandamentos de amor, farternidade e paz. Infelizmente, continuamos a ser fustigados por guerras no nosso mundo: Ucrânia, Médio Oriente, Sudão, Moçambique, Etiópia e em tantos países; continuamos a ser escravos de vários poderes, sejam políticos, económicos ou outros; continuamos a viver num mundo em que Deus não é importante. Mas, além disso, temos também as nossas guerras internas e pessoais: a nossa personalidade e todos os desafios a que diariamente somos chamados; a nossa família, a nossa vida profissional, a vida social... Onde está Deus em todos os aspectos da nossa vida?
Vocação e missão
No plano de Deus, todos somos importantes e temos a nossa vocação e missão a cumprir. Nas palavras de São João Paulo II, Judite «é uma figura exemplar também para exprimir a vocação e a missão da mulher, chamada à igualdade com o homem, de acordo com as suas características específicas, a desempenhar um papel significativo no desígnio de Deus» (audiência geral, 29 de Agosto de 2021).
Judite sempre teve Deus como prioridade e o seu «sim» e acção destemida permitiu libertar o povo oprimido e conservar a mística no Deus da Vida. Cada um de nós tem um dom, uma pérola preciosa (uma vocação e missão específica) contida num débil vaso de barro. Precisamos discernir qual é o nosso dom para o pôr, com alegria e generosidade, ao serviço do bem comum e da vida plena.
O desafio da formação das crianças
A irmã Liée Mramadji Natingar, missionária comboniana, é directora da escola primária São Daniel Comboni e da escola secundária com o mesmo nome em Butembo, República Democrática do Congo. Nesta zona, ela e as suas colegas vivem num contexto de total insegurança e guerra, incluindo o rapto de crianças, que preocupa todos e sobretudo os pais. A religiosa partilha connosco o seu trabalho evangelizador e de defesa da vida digna neste contexto desafiante.
«No meu trabalho no ambiente escolar, a primeira coisa que procuro é a qualidade da educação das crianças que me são confiadas, e também que elas encontrem um lugar onde se sintam seguras. A formação das crianças, que são o futuro da nação e da Igreja, é o meu campo de batalha.
No nosso contexto, o insucesso escolar é uma realidade e são muitas as causas. Quando há crianças indisciplinadas, por exemplo, chamamos os tutores e falamos com eles para tentar compreender o motivo desse comportamento. O que é que faz com que a criança durma durante a aula? Porque é que chega sempre atrasada à escola? Trabalha demasiado em casa? Não come o suficiente? Está traumatizada? Vive com os pais? Os pais estão vivos? Estas perguntas têm como objectivo descobrir a origem do problema da criança para, assim, encontrar os meios para que ela se adapte bem à escola.
Outras vezes, pode ser devido à falta de material escolar. Nesse caso, é necessário falar com os pais para que comprem à criança o que ela precisa. Por vezes, os pais mostram pouco interesse pela educação dos filhos, por exemplo, em casos de abandono paterno em que a mãe tem de tratar de tudo. Encontramos também crianças abandonadas a si próprias, com falta de roupa, alimento, etc.
Outras dificuldades são encontradas com as crianças deslocadas pela guerra que não têm quadro, caderno ou caneta. Mesmo conseguir algo para comer todos os dias é difícil.
Há crianças que foram abandonadas pelos pais e são os avós que tomam conta delas. Nestes casos, o principal objectivo dos avós é encontrar alimento para a criança e a questão da escola não é importante e passa para segundo plano. Estas crianças sentem-se inseguras no ambiente escolar, porque não têm o que precisam para progredir nos seus estudos.
As pessoas estão muito contentes com esta escola recentemente construída. Para elas, é uma jóia no meio da insegurança e da guerra. Dá-lhes muita esperança porque é o futuro dos seus filhos. Agora, as crianças já não têm de percorrer longas distâncias para irem à escola. Os pais confiam em mim. Sabem que, neste centro educativo, os seus filhos recebem uma boa educação, são bem acompanhados e supervisionados. A minha presença como directora desta escola, uma religiosa africana, é uma grande alegria para eles. Para alguns, é a concretização do sonho de São Daniel Comboni de “salvar a África com a África”.»