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A mensagem para Dia Mundial da Paz de 2025 é dedicada ao tema «Perdoa-nos as nossas ofensas: concede-nos a tua paz». No texto, Francisco menciona os factores de uma «ameaça real» à sobrevivência da Humanidade que se vive no mundo actual, referindo-se, em particular, «às desigualdades de todos os tipos, ao tratamento desumano dispensado aos migrantes, à degradação ambiental, à confusão gerada intencionalmente pela desinformação, à rejeição a qualquer tipo de diálogo e ao financiamento ostensivo da indústria militar».
E assinala que este «grito da Humanidade» inspira a celebração do Ano Santo 2025, dedicado à esperança. Francisco recorda que o jubileu remonta a uma antiga tradição judaica, quando a cada quarenta e nove anos um toque da trombeta (em hebraico: jobel) anunciava um tempo de clemência e de libertação para todo o povo, segundo estabelece o capítulo 25 do Levítico. «Este apelo solene deveria ecoar por todo o mundo
(cf. Lv 25, 9), a fim de restabelecer a justiça de Deus nos diferentes âmbitos da vida: no uso da terra, na posse dos bens, na relação com o próximo, sobretudo os mais pobres e os que tinham caído em desgraça», explica o papa.
Para nós hoje, lembra Francisco, «o jubileu é um acontecimento que nos impele a procurar a justiça libertadora de Deus em toda a Terra». «Em vez da trombeta – precisa o pontífice –, no início deste Ano de Graça, nós gostaríamos de estar atentos ao desesperado grito de ajuda que, como a voz do sangue de Abel, o justo, se eleva de muitas partes da Terra e que Deus nunca deixa de escutar». Nós, prossegue o papa, estamos «chamados a unir-nos à voz que denuncia tantas situações de exploração da Terra e de opressão do próximo», injustiças que assumem, por vezes, «o aspecto daquilo a que São João Paulo II definiu como “estruturas de pecado”, porque não se devem apenas à iniquidade de alguns, mas estão, por assim dizer, enraizadas e contam com uma cumplicidade generalizada».
Por isso, no contexto do Ano Santo, «queremos escutar este grito da Humanidade para nos sentirmos chamados, todos nós, juntos e de modo pessoal, a quebrar as correntes da injustiça para proclamar a justiça de Deus».
Olhando para o Jubileu da Esperança, o Bispo de Roma apresenta-o como «um acontecimento que nos impele a procurar a justiça libertadora de Deus em toda a Terra». Nesse sentido, Francisco defende a necessidade de «transformações culturais e estruturais», para que se promovam as mudanças necessárias na superação da «actual condição de injustiça e desigualdade», recordando que «os bens da Terra não se destinam apenas a alguns privilegiados, mas a todos».
Nessa linha, o evento jubilar «convida-nos a empreender várias mudanças para enfrentar a actual condição de injustiça e desigualdade, recordando-nos que os bens da Terra não se destinam apenas a alguns privilegiados, mas a todos». Assim, o papa propõe, baseado nos princípios da Doutrina Social da Igreja e, particularmente nas encíclicas Laudato Si’ e Fratelli Tutti, uma série de medidas práticas que permitam abrir o caminho da esperança, sonhar com a mudança cultural e estrutural, reverter algumas das actuais situações de injustiça global e alcançar um mundo mais pacífico.
Perdão da dívida externa
Francisco assinala que «na aldeia global interligada, o sistema internacional, se não for alimentado por uma lógica de solidariedade e interdependência, gera injustiças que, exacerbadas pela corrupção, aprisionam os países pobres. A lógica da exploração do devedor também descreve sucintamente a actual “crise da dívida”, que aflige vários países, especialmente no Sul do planeta».
Por isso, o Santo Padre retoma o apelo lançado por São João Paulo II, por ocasião do Jubileu do ano 2000, «para que se pense numa consistente redução, senão mesmo no perdão total da dívida internacional, que pesa sobre o destino de muitas nações». O papa apresenta a dívida externa como um «instrumento de controlo, através do qual alguns governos e instituições financeiras privadas dos países mais ricos não hesitam em explorar indiscriminadamente os recursos humanos e naturais dos países mais pobres». Denuncia, ainda, que a esta situação se acrescenta que «várias populações, já sobrecarregadas pela dívida internacional, se vejam obrigadas a suportar também o peso da dívida ecológica dos países mais desenvolvidos», pois «a dívida ecológica e a dívida externa são dois lados da mesma moeda, desta lógica de exploração que culmina na crise da dívida». E adverte que o actual sistema internacional «se não for alimentado por uma lógica de solidariedade e interdependência, gera injustiças que, exacerbadas pela corrupção, aprisionam os países pobres».
Assim, o papa pede aos países mais ricos que reconheçam «a existência de uma dívida ecológica entre o Norte e o Sul do mundo», sentindo-se «chamados a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para perdoar as dívidas dos países que não estão em condições de pagar o que devem». E convida «a comunidade internacional para que actue no sentido de perdoar a dívida externa, reconhecendo a existência de uma dívida ecológica entre o Norte e o Sul do mundo».
No entanto, o papa pede que «não se trate de um acto isolado de beneficência, que corre o risco de desencadear de novo um círculo vicioso de financiamento-dívida, é necessário, ao mesmo tempo, desenvolver uma nova arquitectura financeira que conduza à criação de um acordo financeiro global, baseado na solidariedade e na harmonia entre os povos». «É um apelo à solidariedade, mas sobretudo à justiça», frisa logo a seguir.
Com este ponto de partida, o Santo Padre apela ao «desenvolvimento de uma nova arquitectura financeira, que conduza à criação de um documento financeiro global, baseado na solidariedade e na harmonia entre os povos».
Cultura da vida
O papa apela também a «um compromisso firme para promover o respeito pela dignidade da vida humana, desde a concepção até à morte», para que «cada pessoa possa amar a sua vida e olhar para o futuro com esperança, desejando o desenvolvimento e a felicidade para si e para os seus filhos».
E Francisco convida todas as nações a um gesto concreto que possa favorecer a cultura da vida: a eliminação da pena de morte. E explica que «esta punição, além de comprometer a inviolabilidade da vida, aniquila toda a esperança humana de perdão e de renovação».
Eliminar a fome
Num tempo «marcado pelas guerras», Francisco recorda os apelos de João Paulo II e Bento XVI e propõe a criação de um fundo mundial para a eliminação da fome, com «pelo menos uma percentagem fixa do dinheiro gasto em armamento». O montante recolhido poderia ainda servir para a «realização de actividades educativas nos países mais pobres que promovam o desenvolvimento sustentável, lutando contra as alterações climáticas».
«Devemos tentar eliminar qualquer pretexto que possa levar os jovens a imaginar o seu futuro sem esperança, ou como uma expectativa de vingar o sangue derramado pelos seus entes queridos. O futuro é um dom que permite ultrapassar os erros do passado e construir novos caminhos de paz», sustenta.
A meta da paz
Francisco termina a mensagem dizendo que «aqueles que empreenderem, através dos gestos propostos, o caminho da esperança, poderão ver cada vez mais próximo a tão desejada meta da paz». E acrescenta que, «quando me despojo da arma do crédito e devolvo o caminho da esperança a uma irmã ou a um irmão, contribuo para a restauração da justiça de Deus nesta terra e caminhamos juntos para a meta da paz».
E o papa cita São João XXIII, referindo que «a verdadeira paz só pode vir de um coração desarmado da ansiedade e do medo da guerra». E «desarmar o coração é um gesto que compromete a todos, do primeiro ao último, do pequeno ao grande, do rico ao pobre». Por vezes, refere o papa invocando a bula de proclamação do jubileu, «é suficiente algo simples como um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito». «Com estes pequenos-grandes gestos, aproximamo-nos da meta da paz, e lá chegaremos mais depressa quanto mais, ao longo do caminho [...]descobrirmos que já mudámos em relação ao nosso ponto de partida. Com efeito, a paz não vem apenas com o fim da guerra, mas com o início de um mundo novo, um mundo no qual nos descobrimos diferentes, mais unidos e mais irmãos do que poderíamos imaginar», conclui Francisco.