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23 março 2025

Jonas, o Profeta da conversão

Tempo de leitura: 9 min
Neste mês que começamos o tempo litúrgico da Quaresma, reflectimos sobre a vocação e missão de Jonas. O profeta faz-nos um apelo à mudança de vida, exortando-nos a aceitar na nossa vida o amor e a misericórdia de Deus e a testemunhar, com generosidade e sem medo, a Boa Nova.
Pedro Nascimento
Leigo missionário comboniano
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Jonas (Yônah), que significa «pomba de asas aparadas», era filho de Amati, originário de Gat-Ofer. Foi um dos profetas no reinado de Jeroboão II (587-536 a. C.). O pequeno livro de Jonas, com apenas quatro capítulos, apresenta-nos a principal missão do profeta: viajar a Nínive para exortar o povo à conversão. Jonas recebeu essa missão do Senhor: «Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia-lhe que a sua maldade subiu até à minha presença» (cf. Jn 1, 1-2). 

O profeta compreendeu perfeitamente a vontade de Deus: deveria ir até Nínive, cidade da Assíria, e profetizar sobre o arrependimento sincero. Ora, o povo da Assíria não era judeu, não rezava ao Deus único, não acreditava nele. Por isso, o profeta não queria obedecer a Deus. Com efeito, poderemos dizer que Jonas simplesmente não queria cumprir a vontade de Deus, não queria realizar a missão a que foi chamado. Contudo, importa também compreender a realidade do profeta e do seu povo, tantas vezes atormentado por outros povos. Recordo-me da Etiópia e do povo Gumuz com quem trabalhei, tantas vezes marginalizado por outros povos, nomeadamente, os Amaras, que não conseguia perdoar, e que sempre era marginalizado por aqueles, mesmo entre cristãos; vivenciei aldeias dizimadas, queimadas e pessoas a fugir da violência. Tenho a certeza que se Deus pedisse a um cristão gumuz ou amara para ir falar de arrependimento a outro povo, falar de misericórdia, esse cristão faria como Jonas. Eu próprio faria como Jonas. Nem sempre a nossa fé nos permite compreender a vontade de Deus e tantas vezes desobedecemos à Sua vontade: o medo, o desejo de vingança, a dúvida, o ódio, tantas vezes nos impedem de falar de amor, perdão, misericórdia. Falar de perdão a alguém que nos magoou imenso ou a alguém que sofreu imenso poderá parecer uma missão impossível – só que nada é impossível para Deus (cf. Lc 1, 37). Importa, pois, vivermos uma relação íntima com Jesus, compreender a Sua vontade e obedecer.

 

Fugir da vontade de Deus

Depois de receber a missão de anunciar a conversão ao povo de Nínive, Jonas procura ir para o lado oposto, para Társis (Jn 1, 3). Contudo, enquanto procurava fugir da vontade de Deus, a tripulação do barco em que estava deparou-se com uma forte tempestade. Vendo o perigo da situação, aqueles homens acreditavam que alguém era o culpado da ira divina e decidiu lançar a sorte para descobrir quem era. Jonas sabia a razão daquela tempestade: a sua infidelidade para com o Senhor. Por isso, para salvar a vida daqueles homens, pediu para ser atirado ao mar (símbolo da morte, do desconhecido, do escuro). Depois de o profeta ter sido atirado ao mar, cessou a tormenta. Sem saber, Jonas converteu os marinheiros, que fizeram votos de obediência a Javé. 

A narração continua e diz-nos que no fundo do mar Jonas foi engolido por um peixe grande, onde esteve durante três dias e três noites. Durante esse tempo, no silêncio, Jonas teve tempo para reflectir sobre o seu comportamento e para se arrepender. Dirigiu o seu coração a Deus, através da oração, e o Senhor escutou-o. Deus está sempre connosco e sempre nos escuta! Deus estava com Jonas e por isso o peixe grande cuspiu o profeta para terra sólida. Deus está connosco e por isso, por mais difícil que seja a nossa missão, nunca estaremos sós: nunca estamos sós quando fazemos a Sua vontade, quando sofremos a perda de alguém, quando atravessamos uma doença ou de alguém que amamos, quando atravessamos uma crise financeira, quando passamos dificuldades... Será que alguma vez sentimos a presença de Deus nestes momentos delicados? Será que, tal como o profeta, só lhe dirigimos a palavra nestes momentos? De qualquer modo, o nosso Deus é misericordioso e não nos deixa sós.

 

Anunciadores da misericórdia

Depois de ser salvo por Deus, o Senhor pede novamente a Jonas que vá a Nínive e, desta vez, o profeta obedece. Não o faz com prazer, ou de coração sincero. Não obstante, cumpre a vontade de Deus e, chegando a Nínive, apelou ao arrependimento e anunciou que a cidade seria destruída se não se convertessem (cf. Jn 3,4). Para sua surpresa, o povo acolheu o pedido – até o rei «tirou o seu manto, cobriu-se de saco e sentou-se sobre a cinza» (Jn 3,6) – e converteu-se. Jonas não ficou contente com a conversão da cidade e a compaixão de Deus, pois preferia que fosse destruída. Queixou-se a Deus e desejou a morte (cf. Jn 4,2-3). Mas depois compreendeu a sua contradição e os desígnios amorosos de Deus. A misericórdia de Deus é para «todos, todos, todos», como disse o Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. 

Desta narração da vocação e missão de Jonas podemos tirar várias mensagens para a nossa vida de discípulos missionários. Deus convida-nos a encontrar-nos com Ele e a discernir, no silêncio, no «ventre da baleia», a nossa vocação, superando medos, dúvidas e inseguranças. Depois, pede-nos que deixemos as nossas zonas de conforto, «saindo do sofá», e a aventurarmo-nos no anúncio da Boa Notícia até aos confins da Terra.

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No caminho da missão

Como Jonas, Peter, jovem natural do Vietname, fez um caminho de conversão para sair de si mesmo e entregar-se ao serviço de Deus e da missão. Ele partilha connosco a sua experiência vocacional.

«O meu nome é Tran Minh Thong, embora o meu nome de baptismo seja Peter. Nasci no
Vietname no Dia de Todos os Santos de 1993. Era o último de seis irmãos e a minha família acolheu-me com muito amor. 

A minha infância foi maravilhosa. Como todas as famílias, a minha também tinha feridas e, no contexto cultural vietnamita, sendo o mais novo, não tinha voz nem voto nas decisões que a minha família tomava.

Quando comecei a frequentar o ensino secundário, eu e os meus amigos ficámos viciados no jogo. Gastava dinheiro, perdia tempo, negligenciava a minha saúde e perdia-me no mundo virtual. Durante esses anos, não me preocupava com o meu futuro, só pensava em jogar e estar na internet. A minha vida era sem sentido e desmotivada.

No entanto, senti uma energia estranha, como uma voz a sussurrar dentro de mim. Comecei a participar no Movimento Pró-Vida, que defende a vida desde o ventre materno, e também no movimento carismático. Pela primeira vez experimentei que Deus está vivo e próximo de mim. Um dia, enquanto rezava num canto do meu quarto, disse: «Quero oferecer a minha vida pela Missão em África.»

Não foi por acaso que conheci um missionário comboniano e, conforme lia os testemunhos missionários que ele me enviava, o meu amor à missão aumentava. Por fim, entrei na comunidade comboniana de Saigão (Vietname), onde começou a minha segunda vida. Foi como encontrar um colete salva-vidas num mar turbulento. Tinha sede de uma vida ordenada, sã e orientada por valores, porque estava consciente de ter deitado fora muito tempo e de ter de recuperar o que tinha perdido.

Depois de vários anos de formação nas Filipinas, fiz a minha primeira profissão religiosa e consagrei a minha vida ao Senhor para a missão. Agora estou em Espanha a continuar a minha formação e faço os estudos de Teologia. 

Vivemos num mundo que rejeita a presença de Deus, mas onde ainda há pessoas que O procuram. Acredito que o Espírito Santo está a actuar no mundo e na Igreja. A ti, jovem, diria que o Senhor está sempre contigo, que te escuta e que não estás a caminhar sozinho.»  

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EDIÇÃO
Março 2025 - nº 755
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