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16 junho 2020

Queres viver numa bolha?

Tempo de leitura: 4 min
Uma sociedade democrática exige que vejamos as coisas, também do ponto de vista do outro, que pode pensar de maneira diferente de nós, mas isso está ameaçado por estarmos cada vez mais fechados sobre as nossas bolhas.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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Quando surgiu, a internet era o espaço onde todos nos encontraríamos como família humana em comunicação. E a riqueza e potencial dessa experiência estava, precisamente, na diversidade de pensamentos e experiências. Porém, com a emergência de grandes companhias como a Google, Facebook, Apple, Amazon, etc., a corrida por saberem tanto sobre cada um de nós quanto possível passou a ser o objectivo principal.

Na prática, o preço que pagamos pelos serviços gratuitos da Google e do Facebook, é a informação sobre nós que estas empresas monetizam directamente em dinheiro através da publicidade. Mas isso é ainda admissível do ponto de vista de modelos de negócio. Isto é, pelo facto de ver uma publicidade, não quer dizer que ceda à sua tentação, mas não é bem isso que me deixa perplexo.

Eric Schmidt quando era presidente da Google (agora trabalha para o Departamento de Defesa Americano) acreditava que os clientes querem que a Google «lhes diga o que eles devem fazer a seguir.» Ou seja, os algoritmos que orquestram os anúncios que vemos pela maior probabilidade de os clicar, passam, também, a orquestrar o que queremos, ou seja, a nossa própria vida. O modo como o faz é compreensível.

Os algoritmos, como filtros na internet, avaliam o que nós gostamos pelo que clicamos, comparam com as pessoas que clicaram o mesmo que nós e o que gostaram, e tenta extrapolar o que deveremos gostar a seguir para nos mostrar. Na prática, estes algoritmos (motores de busca, murais nas redes sociais, serviços de streaming, vendas online, etc.) criam um universo de informação único para a minha pessoa, de tal modo que duas pessoas que façam uma busca com a mesma palavra obtêm resultados diferentes. Experimentem.

A esta experiência é o que a autora Eli Pariser chama de filtro-bolha que altera, fundamentalmente em nós, o modo como nos confrontamos com ideias e informação no mundo digital. Pois, esse filtro-bolha introduz três dinâmicas novas:

1. estás sozinho no filtro-bolha;

2. o filtro-bolha é invisível;

3. e não escolhes entrar no filtro-bolha.

Pelo facto de te apresentar as ligações para a informação que prevê gostares, os filtros personalizados existentes nos serviços internet que mais usas, oferecem-te uma ajuda que se traduz, mais tarde, no consumo da tua atenção. Deixas de te aborrecer porque a informação que te oferecem é um reflexo perfeito dos teus interesses e desejos. Eli Pariser usa a imagem de um retorno ao universo Ptolomaico onde tudo gira à tua volta. És o centro das atenções para a internet, de modo a que essa possa consumir o teu tempo e atenção. Sentes-te arrepiado? Talvez não, de tão habituado estares à ideia da utilidade da internet adivinhar o que queres ver.

Os próprios criadores dos algoritmos perderam já a noção do modo como esses transformam a experiência de vida dos utilizadores, pelo que, viver nas bolhas daquilo em que estamos de acordo e gostamos, colocam-nos sempre numa posição de conforto em relação à informação que informa a nossa vida.

O que é diferente e inesperado está na origem daquilo que pode despertar a criatividade em nós. Nesse sentido, os filtros-bolha em que vivemos possuem um custo pessoal, social e cultural. Dentro de filtros-bolha não há lugar para as intelecções novas e experiências de aprendizagem. São um mundo onde gozamos daquilo que gostamos sem haver nada de novo a aprender. Concordamos com tudo e com todos e nada desafia o nosso modo de pensar e ver o mundo. E o resultado final pode ser a perda da capacidade de escolher o modo de viver. O que fazer?

Simples. Algumas sugestões.

– Passar menos tempo na internet.

– Redescobrir as bibliotecas.

– Escrever à mão em diários de ideias ou páginas matinais.

– Ler mais.

– Não ter medo do pensamento diferente, mesmo que discordemos dele (incluindo este artigo :) ).

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