Quando surgiu, a internet era o espaço onde todos nos encontraríamos como família humana em comunicação. E a riqueza e potencial dessa experiência estava, precisamente, na diversidade de pensamentos e experiências. Porém, com a emergência de grandes companhias como a Google, Facebook, Apple, Amazon, etc., a corrida por saberem tanto sobre cada um de nós quanto possível passou a ser o objectivo principal.
Na prática, o preço que pagamos pelos serviços gratuitos da Google e do Facebook, é a informação sobre nós que estas empresas monetizam directamente em dinheiro através da publicidade. Mas isso é ainda admissível do ponto de vista de modelos de negócio. Isto é, pelo facto de ver uma publicidade, não quer dizer que ceda à sua tentação, mas não é bem isso que me deixa perplexo.
Eric Schmidt quando era presidente da Google (agora trabalha para o Departamento de Defesa Americano) acreditava que os clientes querem que a Google «lhes diga o que eles devem fazer a seguir.» Ou seja, os algoritmos que orquestram os anúncios que vemos pela maior probabilidade de os clicar, passam, também, a orquestrar o que queremos, ou seja, a nossa própria vida. O modo como o faz é compreensível.
Os algoritmos, como filtros na internet, avaliam o que nós gostamos pelo que clicamos, comparam com as pessoas que clicaram o mesmo que nós e o que gostaram, e tenta extrapolar o que deveremos gostar a seguir para nos mostrar. Na prática, estes algoritmos (motores de busca, murais nas redes sociais, serviços de streaming, vendas online, etc.) criam um universo de informação único para a minha pessoa, de tal modo que duas pessoas que façam uma busca com a mesma palavra obtêm resultados diferentes. Experimentem.
A esta experiência é o que a autora Eli Pariser chama de filtro-bolha que altera, fundamentalmente em nós, o modo como nos confrontamos com ideias e informação no mundo digital. Pois, esse filtro-bolha introduz três dinâmicas novas:
1. estás sozinho no filtro-bolha;
2. o filtro-bolha é invisível;
3. e não escolhes entrar no filtro-bolha.
Pelo facto de te apresentar as ligações para a informação que prevê gostares, os filtros personalizados existentes nos serviços internet que mais usas, oferecem-te uma ajuda que se traduz, mais tarde, no consumo da tua atenção. Deixas de te aborrecer porque a informação que te oferecem é um reflexo perfeito dos teus interesses e desejos. Eli Pariser usa a imagem de um retorno ao universo Ptolomaico onde tudo gira à tua volta. És o centro das atenções para a internet, de modo a que essa possa consumir o teu tempo e atenção. Sentes-te arrepiado? Talvez não, de tão habituado estares à ideia da utilidade da internet adivinhar o que queres ver.
Os próprios criadores dos algoritmos perderam já a noção do modo como esses transformam a experiência de vida dos utilizadores, pelo que, viver nas bolhas daquilo em que estamos de acordo e gostamos, colocam-nos sempre numa posição de conforto em relação à informação que informa a nossa vida.
O que é diferente e inesperado está na origem daquilo que pode despertar a criatividade em nós. Nesse sentido, os filtros-bolha em que vivemos possuem um custo pessoal, social e cultural. Dentro de filtros-bolha não há lugar para as intelecções novas e experiências de aprendizagem. São um mundo onde gozamos daquilo que gostamos sem haver nada de novo a aprender. Concordamos com tudo e com todos e nada desafia o nosso modo de pensar e ver o mundo. E o resultado final pode ser a perda da capacidade de escolher o modo de viver. O que fazer?
Simples. Algumas sugestões.
– Passar menos tempo na internet.
– Redescobrir as bibliotecas.
– Escrever à mão em diários de ideias ou páginas matinais.
– Ler mais.
– Não ter medo do pensamento diferente, mesmo que discordemos dele (incluindo este artigo :) ).