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17 março 2022

Uma vida ao serviço dos pobres

Tempo de leitura: 11 min
A irmã Bertilla Capra, actualmente com 83 anos, está há mais de cinquenta anos em missão na Índia. Trabalha com os mais pobres nas periferias marginalizadas da cidade de Bombaim. «Mas sou eu – diz a missionária – que aprendo muito com eles.»
Giorgio Bernardelli
Jornalista
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A Ir. Bertilla, missionária da Imaculada, trabalha na Índia há mais de cinco décadas no Centro Dermatológico Vimala, Bombaim (© Centro Dermatológico Vimala)

 

A Irmã Bertilla Capra, missionária da Imaculada Conceição, italiana da região de Bérgamo, chegou em Junho de 1970 a Andhra Pradesh, o seu primeiro destino missionário. Tinha 32 anos. «A minha vocação para a missão surgiu ao ler as revistas missionárias», conta. «Posteriormente, ingressei nas Missionárias da Imaculada. Antes de partir frequentei um curso de especialização sobre o cuidado de leprosos em Fontilles, Espanha. Não obstante, o impacto com a realidade da Índia, e com os leprosos em particular, foi muito difícil.»

Alguns meses depois teve outra experiência igualmente forte. Em 1971, a guerra ensanguentou o país vizinho, o Bangladeche, e milhares de refugiados abandonaram o país e dirigiram-se para a Índia. A Irmã Bertilla mudou-se para Calcutá, onde viveu essa experiência de acolhimento ao lado da Madre Teresa, que se encontrava na linha da frente ajudando aqueles que tinham perdido tudo. «Trabalhei com ela e as suas irmãs na altura da epidemia de cólera», recorda a missionária da Imaculada Conceição. Nesses meses em Calcutá a situação era dramática, não podíamos sequer contar os mortos. Nunca mais voltei a ver nada parecido na minha vida. A Madre Teresa era uma mulher fisicamente frágil, mas mesmo nessas situações extremas ela estava cheia de tanta luz.»

Depois, regressou a Eluru, na Índia rural, para continuar o seu labor com os doentes de lepra e os seus filhos, que tinham sido alojados num albergue especial. «Como tinham nascido nas colónias de leprosos – recorda –, não era prudente que eles permanecessem lá. Era importante que tivessem a oportunidade de crescer de forma saudável, fora desse ambiente.» Em 1981, foi coordenar o Centro Dermatológico Vimala, um centro de saúde que a sua congregação religiosa abriu nos imensos subúrbios de Bombaim. É nesse lugar onde diariamente continua a trabalhar.

 

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Panorama da cidade de Bombaim (© 123RF)

 

Cuidar dos leprosos

Entretanto, muitas coisas mudaram no tratamento da lepra: «Quando cheguei pela primeira vez a esta zona de Bombaim – explica –, as irmãs que abriram o Centro em 1979 tinham identificado entre doze e treze mil leprosos na área. Hoje em dia, existem apenas algumas centenas de casos.» Este é o resultado dos grandes avanços que se deram no campo da medicina: a lepra é agora uma doença que pode ser curada mais facilmente, com medicamentos que se adquirem com relativa facilidade e, se forem tomadas medidas a tempo, as deformidades no corpo podem ser evitadas. No entanto, a luta contra a lepra ainda requer muitos esforços de controlo e prevenção.

«Continuamos a realizar campanhas de sensibilização entre a população que nos foi confiada pelo Governo nesta pobre periferia da imensa cidade de Bombaim», afirma a irmã Bertilla. «Fizemos um bom trabalho: hoje somos capazes de manter a doença sob controlo. Temos de considerar que chegam a esta metrópole pessoas oriundas de todas as partes da Índia; é fácil que haja casos ocultos, porque a lepra não se manifesta com sintomas imediatos. É uma doença bastante latente: o período de incubação é longo, começa com pequenas manchas que os agentes sanitários e as pessoas podem reconhecer facilmente.»

Actualmente, o Centro Vimala alberga cerca de sessenta pacientes, homens e mulheres, e tem um pequeno albergue com cerca de dez crianças que, de formas diferentes, contactaram com esta doença nas suas famílias. Cuidar dos doentes implica também cuidar desses menores.

 

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Pacientes no Centro Vimala de Bombaim (© Centro Dermatológico Vimala)

 

Lepra e covid-19

A missionária pensa que na periferia de Bombaim a lepra é uma doença que será difícil eliminar completamente. «Não creio que possa ser erradicada», afirma a missionária da Imaculada Conceição. «Deve ser controlada, e é isso que estamos a fazer. Com o nosso pessoal paramédico percorremos as áreas que o Governo nos atribuiu: ensinamos as pessoas a reconhecer os sintomas e explicamos a quem devem recorrer caso tenham dúvidas ou precisem de apoio. Porque o importante é tratar a doença logo que se identifica. É a única maneira para deixarmos de ter casos em que o corpo fica desfigurado. Podemos consegui-lo se controlarmos a situação no território», explica a Ir. Bertilla.

Esta é também a chave para ajudar a superar o estigma social que sempre acompanhou a lepra, como os Evangelhos nos relatam. «A lepra e a sua estigmatização são duas coisas que estão relacionadas» – continua a missionária. «É penoso ver uma pessoa deformada com a lepra em estado avançado e as pessoas no autocarro afastarem-se dela, mas é uma reacção humana. Outras vezes, são os próprios doentes de lepra que se retiram para os guetos dos bairros-de-lata porque não querem ser vistos nesse estado. Por esta razão, é muito importante esclarecer que a lepra não é uma maldição, mas uma doença, curável como muitas outras doenças. Temos de lhes dizer que, quando é diagnosticada e tratada no início, não causa danos permanentes. Temos de prosseguir neste caminho com muita paciência.»

A Índia enfrenta também a pandemia causada pelo coronavírus. A covid-19 está a causar uma grave crise económica, que afecta especialmente as pessoas mais pobres. «Os mais vulneráveis são os que mais sofrem desde que os confinamentos começaram», sublinha a missionária. «Tentamos ajudar as pessoas tanto quanto podemos: todos os nossos leprosos são pobres. Começámos a comprar arroz, cereais, açúcar, para distribuir pequenos cabazes no círculo de pessoas que conhecemos: conseguimos repartir quinhentos. Mas, numa metrópole como Bombaim, é como uma gota de água no oceano. A pobreza propaga-se. Não consigo imaginar como as pessoas conseguem sobreviver nos bairros-de-lata.»

 

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A Ir. Bertilla no Centro Dermatológico Vimala, Bombaim (© Centro Dermatológico Vimala)

 

Há outra situação que, para a missionária, é particularmente preocupante. «Em Bombaim, as escolas também estiveram fechadas durante meses. As crianças que vivem connosco também não puderam frequentar as escolas onde iam regularmente. Teoricamente, houve ensino à distância, mas como podiam os pobres, sem os meios adequados, segui-lo? Mais uma vez, são os mais desfavorecidos que sofrem as consequências, pondo em causa o seu processo educativo.»

No entanto, mesmo nestes tempos difíceis não devemos desesperar. «O Senhor fala-nos nestas circunstâncias – acrescenta a apóstola dos leprosos –, não devemos perder a esperança: a nossa fé sustenta-nos. Devemos aproximar-nos mais do Senhor em momentos como estes. É um momento propício para fazer um exame de consciência.»

A alegria da missão

Há alguns anos, em parte para resolver algumas dificuldades decorrentes da renovação do seu visto, a Ir. Bertilla pediu e obteve a cidadania indiana. Mas não foi apenas uma escolha “burocrática”. «Adoro a minha missão, estou satisfeita com o serviço que presto», explica. «Acolhi com muita alegria as mudanças que vi na Índia ao longo de todos estes anos. Aprendo muito com as pessoas a quem procuro servir. Quando cheguei à Índia, queria mudar rapidamente as situações que encontrava. Mas depois vi que aqui as pessoas permanecem calmas, fazem o seu trabalho em todas as circunstâncias sem ficarem demasiado alarmadas. E, então, pensei: sou eu que ainda tenho muito para aprender.»

 

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Pessoas no Centro Dermatológico Vimala, um centro de saúde que a congregação religiosa das Missionárias da Imaculada abriu nos imensos subúrbios de Bombaim (© Centro Dermatológico Vimala)

 

Depois de cinco décadas na Índia, a Ir. Bertilla ainda tem um sonho que desejaria ver realizado. «Gostaria que o nosso povo tivesse uma vida melhor», declara a missionária. «Quando percorro estes enormes bairros-de-lata de Bombaim e vejo os barracos onde não há sequer água, o meu coração aperta-se de dor. Há ainda muito a fazer, mas não é fácil. Desde que aqui trabalhamos, conseguimos estabelecer 25 famílias: demos-lhes um espaço para habitar, um quarto decente para viverem uma vida melhor. Fazemo-lo sempre que é possível. No entanto, dos 22 milhões de habitantes de Bombaim, um terço ainda vive em condições deploráveis.»

Outro tipo de riqueza, contudo, a Ir. Bertilla continua a distribuí-la com abundância. «Uma das coisas mais belas que a Índia me deu foi o Diwali, o Festival da Luz», diz ela a sorrir. Os hindus celebram-na de acordo com a sua mitologia: a luz conquista a escuridão e as ruas e as casas enchem-se de luzes. Para nós, cristãos, essa celebração ganha um novo significado, pois Jesus Cristo é a luz do mundo. E esta é a mensagem que queremos anunciar a estas pessoas», conclui a missionária. 

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Novembro 2024 - nº 751
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