A palavra do anúncio, que caracteriza a missão cristã, tem um carácter muito próprio: trata-se de uma palavra humana com uma mensagem divina; a sua tradução deixa-nos sempre aquém do mistério que ela evoca.
Temos de começar por dizer que esta palavra tem uma eficácia própria, que depende de Alguém que não de nós: «Como a chuva e a neve descem do céu e não regressam sem terem irrigado a terra... assim a Palavra saída da minha boca não retornará a mim sem o seu efeito, sem ter operado o que desejo e cumprido aquilo pelo que a mandei» (Isaías 55, 10-11).
Depois, o carácter mais marcante da palavra do anúncio é que ela é uma palavra de fé, pelo que dizê-la ou proclamá-la é um acto de fé, uma doxologia, uma palavra que evoca Deus e o seu agir; não é uma palavra simplesmente humana, uma teoria, retórica ou filosofia. As primeiríssimas fórmulas do anúncio cristão são expressões da fé da comunidade. Exemplo deste carácter do anúncio é o que encontramos na Carta aos Romanos, no capítulo 10: «Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e acreditares que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo.»
Por isso, a característica que se segue é que palavra do anúncio é testemunho humano a favor do agir de Deus em Jesus, como nos fazem ver os Actos dos Apóstolos e as primeiras expressões do anúncio feito pelo apóstolo Pedro: «A pedra rejeitada tornou-se pedra angular; o Jesus a quem destes a morte foi exaltado por Deus e constituído Senhor e salvador.» As primeiras testemunhas, diante das primeiras dificuldades e oposições, dizem: «Não podemos silenciar o que vimos e ouvimos!»
Assim, segue-se que a palavra do anúncio tem um carácter decisivo; isto é, tem que ver com a vida e a sua orientação, com os valores e as atitudes fundamentais, com o sentido das coisas e as opções que fazemos no dia-a-dia; é uma palavra decisiva, que imprime à vida uma direcção e requer uma decisão pessoal. Por isso, Paulo e os seus companheiros propunham a palavra do anúncio como uma palavra decisiva, o verdadeiro evangelho; como a palavra portadora da notícia que interessa, a de Jesus de Nazaré – em contraposição com o evangelho que chegava de Roma, com as notícias do imperador, de que viviam pendentes os habitantes do império.
A palavra do anúncio cristão vive em si um contraste. Por um lado, é uma palavra de alegria, que anuncia uma boa notícia que confere alegria ao acto de comunicar. O Papa Francisco não se tem cansado de sublinhar este carácter alegre do anúncio cristão, que transmite alegria e se faz na alegria (A Alegria do Evangelho é o título do seu documento programático sobre a evangelização; a alegria é missionária, lembrou-nos ele). Por outro lado, porém, a palavra do anúncio cristão produz também pena e tristeza, que decorrem da recusa ou do desacordo que o anúncio pode provocar, na liberdade da pessoa humana que o acolhe ou rejeita.
Mas, mesmo neste inevitável conflito, entre a alegria e o desconforto, a missão cristã afirma-se sempre pelo respeito e pelo diálogo e permanece aberta ao encontro e à partilha na tarefa da construção do bem comum, sempre pronta a dar razão da esperança que a anima – uma posição que o sínodo que acaba de se reunir em Roma consagra.
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