Opinião
21 novembro 2023

O «pão de amanhã»

Tempo de leitura: 4 min
Procuremos antecipar um pouco da futura eternidade feliz no presente que vivemos, seguindo as escolhas e gestos concretos com que Jesus ajudava a gente do seu tempo.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
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Um dia destes, ouvi um judeu que acredita em Jesus explicar como ele lê a frase da oração do pai-nosso em que dizemos: «O pão nosso de cada dia nos dai hoje» (Mt 6,11). A tradução que ele fez é um autêntico desafio para a nossa maneira de entender o que é ser cristão.

A palavra que nós traduzimos como «de cada dia», só existe no Novo Testamento na oração do pai-nosso, e traduz o que estaria no original hebraico (o Evangelho de Mateus foi escrito primeiro em língua hebraica), e o seu significado seria mesmo «de amanhã». O que pedimos é «dai-nos hoje o pão nosso de amanhã».

Parece estranho, mas aponta para algo que é central na proposta de vida que Jesus nos veio fazer: receber no hoje que já estamos a viver, um alimento – o pão nosso – que de facto pertence ao futuro que Deus tem para nós. É um «pão de amanhã».

Estamos a pedir para hoje um dom que pertence ao futuro, aquele futuro em que os filhos e filhas de Deus terão como alimento central da sua vida «Pão da Palavra e do Espírito». É desse pão que Jesus falava ao dizer «Eu sou o Pão vivo que desce do céu» (Jo 6,51); é aquele alimento que fará Paulo exclamar: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gal 2,20).

Exemplos dessa vida futura já presente aqui connosco? Penso em Pedro e João, que encontram à porta do templo de Jerusalém um mendigo que lhes pede uma moeda. Eles respondem: «Não temos ouro nem prata, mas damos-te o que temos: “Em Nome de Jesus, levanta-te e caminha”» (Act 3,6). Fazer que um paralítico caminhe, usando o «nome de Jesus», isso pertence ao futuro de Deus, quando «Cristo será tudo em todos». E alguém dirá, mas isso foi um milagre extraordinário, não faz parte da nossa maneira de viver…

E se descobrimos que sim? Que esse «mundo futuro» já está presente a agir no nosso presente?

Jesus chamava-lhe «Reino de Deus»: os «tempos e lugares» em que Deus transformaria este mundo à Sua imagem. Penso no hospital que o missionário médico, padre José Ambrosoli, deixou no Norte do Uganda: centenas e centenas de pessoas que podem agora ter tratamentos médicos que nunca sonhariam, coxos que caminham de novo, jovens que aprendem enfermagem e se tornam outros «Pedro e João» capazes de fazer caminhar na vida quem já tinha desistido…

Em Novembro, a memória dos nossos que já concluíram a sua vida neste mundo e partiram para a eternidade pode ajudar-nos a pensar que essa eternidade feliz que desejamos e pedimos para eles e elas é algo que podemos ir já antecipando também «do lado de cá da vida», se soubermos pedir e receber o tal «Pão de amanhã».

Esse «mundo futuro» que é de Deus e que Jesus deixou já activo entre nós pode inspirar-nos neste mês de Novembro: procuremos antecipar um pouco dessa futura eternidade feliz, já à nossa volta, no presente que vivemos, seguindo as escolhas e gestos concretos com que Jesus ajudava a gente do seu tempo a ver que «o Reino de Deus está entre vós» (Lc 17,21). 

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