Opinião
05 janeiro 2024

Vencer uma guerra?

Tempo de leitura: 4 min
Uma paz autêntica assenta nos pilares da verdade, da justiça, do amor e da liberdade.
Pedro Vaz Patto
Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz
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(© Lusa/EPA/Mohammed Saber)

 

Numa reunião recente de comissões Justiça e Paz europeias, impressionou-me a convicção de um colega ucraniano a respeito da vitória do seu país na guerra contra a Rússia, uma guerra que, nas suas palavras, deverá ser ganha «custe o que custar» e «demore o tempo que demorar».

Todos os que participamos nessas reuniões somos solidários com o sofrimento do povo ucraniano e reconhecemos o seu direito de legítima defesa. Mas ao ouvir esse meu colega, não pude deixar de recordar o que vem insistentemente afirmando o Papa Francisco: «Ninguém ganha com uma guerra.» Já o Papa Pio XII clamava, nas vésperas da II Guerra Mundial: «Nada se perde com a paz, tudo pode ser perdido com a guerra.»

Esse meu colega considera utópica qualquer tentativa de negociação diplomática com o governo de Putin. Mas também me pareceu algo utópica a vitória incondicional de uma das partes nesta guerra. O que parece certo é apenas o contínuo acréscimo de mortes e de destruição. Sobretudo, ao admitir uma guerra, ainda que defensiva, «a todo o custo», parece-me que esquece que, de acordo com a doutrina da Igreja, não basta que uma guerra seja defensiva para que seja legítima, importa que ela seja um último recurso e que dela não decorram mais danos do que aqueles que ela pretende evitar (ver o § 2309 do Catecismo)  Estas condições exigem que, como tem salientado o papa, nunca se desista da diplomacia, a qual tem de ser criativa, buscando alternativas que não se traduzam num prémio para o infractor.

Também num contexto muito diferente, ouvimos responsáveis do Governo de Israel, perante os ataques terroristas do Hamas, invocar a legítima defesa para justificar uma guerra que elimine, de vez, essa organização que pretende a sua destruição. Ao contrário do que em geral sucede com a reacção das forças ucranianas, o Governo de Israel não tem recuado diante da ocorrência de vítimas civis dos seus ataques. Esquece que o direito de defesa, não só não se confunde com a retaliação (a vingança, a resposta a um mal com outro mal), como está sujeito a limites no seu exercício, a critérios de necessidade e proporcionalidade. Que o Hamas se sirva de civis como «escudos humanos» faz sobre ele recair graves responsabilidades, mas não exclui a responsabilidade de quem directamente os atinge mortalmente.

E também será ilusória a pretensão de eliminar definitivamente o Hamas. Ele poderá continuar a provocar ataques terroristas em qualquer parte do mundo enquanto houver quem adira aos seus objectivos de destruição do Estado de Israel. Com as mortes e destruições que hoje atingem o povo palestiniano, serão certamente muito mais, e não menos, os que aderem ao Hamas.

Não podemos esquecer que uma solução duradoura destes recorrentes conflitos na Terra Santa passará sempre por enfrentar a sua raiz, por uma paz alicerçada na justiça que implica o respeito de todos os legítimos direitos dos povos israelita e palestiniano. Porque a paz não é apenas a ausência da guerra, uma paz autêntica (proclamou São João XXIII na encíclica Pacem in Terris) assenta nos pilares da verdade, da justiça, do amor e da liberdade. 

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