Olhar com atenção para os verbos que se encontram no Evangelho com alguma frequência é a maneira como, nos Apontamentos deste ano, desejo partilhar reflexões e pontos de vista sobre elementos fundamentais na mensagem de Cristo. Começo com o verbo «morar».
Os discípulos que por primeiro decidiram seguir Jesus, João e André, fizeram-no precisamente perguntando a Jesus: «Onde moras?» (Jo 1,38). Ele respondeu simplesmente: «Vinde e vede.» E eles foram e «moraram com Ele» naquele dia. Aquelas horas passadas com Jesus irão marcar profundamente a vida daqueles dois. Muitos anos mais tarde, ainda se lembravam a que hora do dia esse encontro tinha acontecido: «Era cerca da hora décima», pelas 4 da tarde. Aquela primeira experiência de conviver com Jesus entusiasmou-os de tal modo, que André, um daqueles dois, ao encontrar, logo a seguir, o seu irmão Simão (Pedro), disse-lhe: «Encontrámos o Messias»! O Salvador que Deus vinha prometendo ao seu povo desde havia séculos! E levou Simão até Jesus. Acontece sempre: quem faz a experiência de «morar com Jesus» sente a necessidade e a alegria de convidar outras pessoas a fazer a mesma experiência. Não se trata aqui de tentar convencer com argumentos, e muito menos de apresentar doutrinas tentando que sejam aceites. André convida Simão a fazer a sua mesma experiência de morar com uma pessoa que lhes fazia sentir a presença de Deus.
Também Jesus fez escolhas importantes sobre onde e com quem queria morar. Mateus diz-nos no seu evangelho que Jesus, regressando do Sul da Judeia, decidiu deixar a casa da sua família, na zona montanhosa de Nazaré, para ir morar junto ao mar de Tiberíades, em Cafarnaum (Mt 4,12). É que, desta maneira, explica logo o evangelista Mateus, as terras de Zabulão e de Neftali (à volta do mar de Tiberíades) puderam «ver uma grande luz». Fixando a sua morada em Cafarnaum, Jesus deseja levar a mensagem do amor de Deus à zona onde vivia uma grande mistura de gente, judeus, mas também muita gente que para lá vinha para trabalho na pesca e negócios, ou simplesmente gente que passava pela Via do Mar, viajantes de todo o tipo. Em vez de ficar comodamente na sua aldeia natal, Jesus parte e escolhe morar no lugar onde pode levar a Boa Nova a mais gente e aos que mais precisam dela. É a sua missão que determina a sua morada.
São João, pensando em todo o mistério de Deus que, no Natal, se fez um de nós, maravilha-se de como Ele não só se fez homem, mas escolheu «habitar no meio de nós» (Jo 1,14). E esse habitar de Jesus é muito mais do que ocupar uma casa ao lado da nossa. Trata-se de passar pelas nossas mesmas experiências de vida, aprender o que nós aprendemos, crescer como nós crescemos. Partilhar a vida.
Mas há ainda mais. Em Jesus de Nazaré, Deus não só veio habitar entre nós, Ele veio para que Deus possa «morar em nós»: «Eu e o Pai faremos nele a nossa morada» (Jo 14,23). Deus fica presente no coração de quem «lhe abre a porta» (Ap 3,20) como força que faz viver no amor e na alegria. É desta experiência, difícil de traduzir em palavras, de Deus que vive em nós que nasce em cada missionário o desejo de partir para partilhar com muitos outros o que vivemos e convidá-los a «morar com Jesus».
|