Há quem, entre nós, fique confundido com algumas expressões com que o Papa Francisco fala da missão cristã hoje. Exemplifico um destes aparentes contrastes. Por um lado, Francisco fala de Igreja em saída, de abrirmos portas e tomarmos iniciativas para testemunharmos com alegria o Evangelho; fala de renovarmos o zelo apostólico, a paixão de evangelizar (a este tema dedicou toda uma série de reflexões, durante as audiências gerais de 2023). Mas, logo a seguir parece pôr água na fervura e põe-nos de sobreaviso: diz-nos que não devemos ter a preocupação de fazer discípulos (prosélitos), que a Igreja e a missão não crescem por proselitismo, mas por atracção.
Naturalmente, o papa usa de algum contraste no seu vocabulário para nos ajudar a reflectir e ver onde nos encontramos, a verificar o nosso vocabulário e sobretudo as nossas atitudes. Ele pretende ajudar-nos a perceber que estamos não só numa época de mudanças sérias, mas numa vertiginosa mudança de época. O mundo globalizado e as culturas a chocar entre si, estão secularizados e não podemos ter como seguro o interesse pelo Evangelho ou pretender configurá-los a partir da Verdade que testemunhamos. Por isso, ele insiste na alegria e na humildade desinteressadas, na presença e no diálogo, na fraternidade e na amizade social, nas atitudes de respeito para com as pessoas e as suas culturas, para com a Natureza e o cosmos, a casa que habitamos em comum.
Neste aspecto e por isso, estamos todos à procura do modelo de missão mais a condizer com o tempo que vivemos, na fidelidade, cada vez mais genuína, ao mistério e à natureza da Igreja e da missão, que nos superam. Num passado, ainda recente, falámos de uma missão ad gentes, ou seja, às gentes (por vezes com tons de conquista de povos e culturas); depois, passámos a falar de uma missão inter gentes, isto é, entre as gentes, os povos e as suas culturas, acentuando as atitudes de inculturação e de respeito para com os mesmos.
Os termos que o Papa Francisco tem vindo a usar extremam esta evolução de vocabulário e atitudes que definem a missão e levam alguns pensadores a falar de missão «um ao lado do outro». Jesus, efectivamente, deixou aos seus discípulos o mandato missionário de ir pelo mundo inteiro e anunciar o Evangelho fazendo discípulos; mas também lhes disse «vós sois o sal da terra ... vós sois a luz do mundo», como que a indicar uma missão de dar sabor à vida e iluminar de sentido a realidade humana, e não de configurar um reino humano pelo uso de um qualquer poder. Trata-se sempre de ser uma Igreja minoritária que vive o mistério transformante de ser sal e luz.
O despertar para esta situação leva-nos a pensar, a viver e a falar de uma missão exposta à debilidade e à força do Espírito de Cristo, em que os cristãos e os missionários saibam ser «fortes, sem ser poderosos, verdadeiros sem ser fanáticos»; saibam «cultivar o sentido de beleza sem ser esteticistas, afirmar a rectidão sem ser moralistas»; em que todos saibamos «ser nós próprios mas não sem os outros ou contra os outros» (citações de uma entrevista do beneditino P.e Elmar Salmann ao L’ Osservatore Romano). Não podemos ser nós próprios sem os outros, pela simples e misteriosa razão que Deus (também) os ama em Cristo, como não se cansa de nos recordar o Papa Francisco.
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