Opinião
14 março 2024

Sociologia ou Evangelho?

Tempo de leitura: 4 min
O Evangelho faz-nos perguntas, fomenta a criatividade da Fé, abre perspectivas, põe-nos em caminho sinodal de escuta e discernimento.
P. Manuel Augusto Lopes Ferreira
Missionário comboniano
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(© 123RF)

 

Na reconfiguração missionária da Igreja (comunidades, paróquias, dioceses) em que todos estamos empenhados, com o Papa Francisco à frente, por onde começamos: pela sociologia ou pelo Evangelho? A resposta parece óbvia: pelo Evangelho! Mas, de facto e por vezes, não o é. E temos bispos, padres e leigos a promoverem narrativas onde prevalecem a sociologia e as ciências sociais e o Evangelho, a visão da Fé (isto é, a Teologia e a Eclesiologia) brilham pela sua ausência. Os amigos da síntese (como eu) dirão: devemos começar por ambas! Sim, por ambas, acrescentaria ainda, mas cada uma em seu devido lugar: primeiro, e muito antes, pelo Evangelho (por uma Teologia da Igreja); segundo, e muito depois, pela sociologia. Apresentemos exemplos, para sermos concretos.

Perante a falta de sacerdotes (mais sofrida que reflectida), os bispos sentam-se à mesa com o mapa das dioceses, agrupam as comunidades paroquiais, carregam os padres que restam com elas agrupadas nas unidades pastorais. Argumentando que temos estradas por todo o lado e que hoje toda a gente tem carro, sugerem aos fiéis que se juntem numa delas. Assim fazendo, aparecem mais bem a apagar a luz que treme do que a fazer reviver uma comunidade cristã que existe e tem um património de fé.

Se o ponto de partida é uma Teologia da Igreja, o bispo tem de admitir que, sendo sua a responsabilidade de colocar um presbítero à frente de cada comunidade e não estando em condições de o fazer, a primeira coisa a dizer é libertar a comunidade da obrigação (mandamento da Igreja) da missa dominical e discernir com ela sobre o curso de acção a tomar. Iniciando um diálogo à procura de respostas a perguntas concretas: Celebração Eucarística uma vez ao mês e Celebração da Palavra orientada por um diácono, um/a ministro/a da Palavra ou catequista, nos demais domingos? Conservar o modelo de sacerdócio que temos, ou abrir-se a outros? Por exemplo, a um modelo de sacerdote mais enraizado na comunidade (com família e trabalho) a assegurar uma presença continuada e ritmo semanal, a coexistir com o modelo de sacerdote itinerante, celibatário, totalmente dedicado à Igreja na formação e acompanhamento das comunidades e dos seus responsáveis? Continuar a manter a coordenação (calendário de actividades, horários, organização, economia...) das paróquias na pessoa do sacerdote, ou desligar as funções: o sacerdote ordenado para estar à frente do caminho de fé da comunidade e a função de coordenador (pároco) ser confiada a outra pessoa, homem ou mulher, com capacidade para o fazer?

O leitor dirá: o seu texto deixa-nos com muitas perguntas (e poucas respostas). Direi que a culpa não é minha. Enquanto a sociologia nos amarra a esquemas funcionais, de lógica e racionalidade, o Evangelho faz-nos perguntas, fomenta a criatividade da Fé, abre perspectivas, põe-nos em caminho sinodal de escuta e discernimento, de responsabilidade e liberdade, como filhos e filhas de Deus que somos, membros de uma comunidade convocada pela Sua Palavra e alimentada pelos Sacramentos, vivificada pela Presença do Seu Espírito. A Páscoa, que vamos celebrar no fim deste mês, lembra-nos esta Presença e deixa-nos um mandato missionário: ide e anunciai, nas periferias da Vida, até aos confins da Terra! 

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