«Ando a mil…» — confessava-me um amigo relativamente a tudo o que tinha para fazer que incluía a família, o trabalho e todos os actos de doação aos outros. No seu desabafo encontramos aquele de tantos outros que sentem, após a pausa da pandemia, a aceleração vertiginosa em que o mundo se encontra. Foi no meio de um pensamento onde tomava maior consciência de como tudo anda depressa demais que me cruzei com uma frase de Teilhard de Chardin SJ: «Acima de tudo, confia no trabalho lento de Deus.»
Imagina-te dentro de um veículo a andar a 100 km/h. Agora aumenta dez vezes essa velocidade para os “impossíveis” 1000 km/h. Consegues ver alguma coisa da paisagem que te circunda pela estrada? Seria impossível. Por isso, «andar a mil…» é a expressão que usamos quando, no fundo, a vida está a passar ao nosso lado e não encontramos espaços de pausa que nos ajudem a orientar e saborear os momentos que desejamos viver com os outros. Se Teilhard nos convidava a confiar no trabalho lento de Deus, talvez seja um convite importante para hoje: abraçar alguma lentidão.
Num mundo a passo acelerado, abraçar a lentidão pode passar por abraçar uma certa preguiça ou inutilidade, mas isso seria uma ilusão. Quando Carlo Petrini em Itália iniciou o movimento Slow Food, a experiência convidava à valorização da comida local, por oposição ao fast food [refeições rapidamente confeccionadas e que podem ser ingeridas em poucos minutos], a biodiversidade e a conexão entre produtores e consumidores, privilegiando o prazer à mesa, comendo lentamente. O sabor da comida pelo seu lento consumo aliava-se ao sabor da própria vida.
A Era da Informação alterou substancialmente a fricção existente no acesso que tínhamos aos conteúdos sobre tudo o que se passa no mundo. Deixámos de aguardar pelo jornal na manhã do dia seguinte, basta clicar numa interface vítrea para aceder aos eventos do planeta em tempo real. Porém, toda a real compreensão desses eventos é necessariamente lenta, porque são inúmeras as ligações existentes entre todas as coisas, traduzindo a complexidade que nasce da relacionalidade.
No Elogio da Lentidão, de Lamberto Maffei, a importância de desacelerar os nossos ritmos num mundo cada vez mais frenético está na urgência em nos desligarmos da experiência social obcecada pela velocidade e pela eficiência, perdendo de vista aspectos essenciais da vida, como a contemplação, a reflexão e a apreciação das experiências quotidianas. Uma abordagem mais tranquila e intencional da vida reconhece que a lentidão pode ser uma fonte de sabedoria, criatividade e bem-estar. Ao desacelerar, podemos reconectar-nos connosco próprios, com os outros e com o ambiente ao nosso redor, alcançando uma existência mais plena de sentido e significado.
Na visão que propus no meu livro Tempo 3.0 digo — «Quem não pára uma vez por dia, pára um dia de vez» — sendo esta uma das razões principais para abraçarmos a lentidão. Parar de «andar a mil…» para saborear o valor de cada momento e redescobrir o resultado do trabalho lento de Deus na beleza da paisagem que antes nos passava ao lado.
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