Opinião
13 maio 2024

Soprar

Tempo de leitura: 4 min
Com o «sopro de Jesus» a animar as suas vidas, os discípulos poderão agora partir pelo mundo fora.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
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(© 123RF)

 

Que eu saiba, no evangelho de S. João, Jesus é apresentado a «soprar» só duas vezes; e, mesmo assim, parece-me um daqueles verbos que nos dizem algo de essencial sobre a pessoa e a missão de Jesus. Jesus «sopra» quando, ao concluir a sua vida terrena, na cruz, ele «expira», «entrega o espírito». Mas Jesus vai soprar de novo quando, no dia da ressurreição, ele aparece aos seus discípulos em Jerusalém e soprando sobre eles diz: «Recebei o Espírito Santo» (Jo 20,22). É a maneira de São João nos falar do Pentecostes. Em S. Lucas, (Act 2,1-5), o Espírito Santo desce como línguas de fogo. João prefere falar de Jesus que sopra o seu espírito sobre os discípulos. É como se Jesus pudesse agora dar-lhes o mesmo Espírito que ele mesmo tinha recebido do Céu, no dia do seu baptismo no rio Jordão.

Alguns discípulos já tinham encontrado Jesus ressuscitado, como Maria Madalena, naquele jardim onde ele tinha sido sepultado dois dias antes, os outros tinham-se fechado numa sala por medo dos judeus – não lhes fossem fazer o mesmo que tinham feito a Jesus! A eles, Jesus mostra-se oferecendo a sua paz. Ele mesmo tinha dito durante a última ceia que lhes ia dar a paz, mas «não como o mundo a dá» Jo 14,27). A sua paz não vem de tréguas nem de negociações, ela chega porque ele lhes perdoa o terem-no abandonado no dia da paixão. Não precisam de temer qualquer forma de castigo.

E quando a paz fica restabelecida, então ele sopra o seu espírito sobre eles. Com esta forma, compreendemos que Jesus partilha o seu Espírito não como algo que vem de fora ou de cima, não dá o Espírito com um decreto. Jesus sopra o que lhe enche o coração: o sopro vital, o alento, o amor... de Deus. E assim, os discípulos podem «respirar» o dom que recebem de Jesus; é hora de deixar que esse sopro de Deus entre, quase fisicamente, nos pulmões de cada um deles.

Respirando o Espírito que acabam de receber de Jesus, os discípulos perdem o medo, e reacende-se neles a esperança de que a missão iniciada por Jesus pode agora continuar com eles: «Como o Pai me enviou, assim eu vos envio»; como eu perdoei a quem precisava do perdão de Deus, agora também vós podeis partilhar o mesmo perdão: «aqueles a quem perdoardes...». O Papa Francisco gosta de lembrar aos padres e bispos: «Olhem que Deus quer perdoar sempre!»

Com o «sopro de Jesus» a animar as suas vidas, eles poderão agora partir pelo mundo fora. E mesmo quando serão perseguidos, poderão dizer como Job, o grande sofredor do Antigo Testamento, que nunca perde a fé e a esperança (Job 27,3): «Enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus no meu nariz».

Para aqueles e aquelas que nos dedicamos a anunciar o evangelho ainda hoje, esta maneira de Jesus transmitir o seu Espírito «soprando» sugere-nos que a melhor maneira de partilhar a nossa fé não é com grandes explicações eruditas, e muito menos ameaçando «castigos de Deus», o melhor é mesmo «soprar o mesmo Espírito que nos aquece o coração». E podemos contar sempre com as surpresas do Espírito Santo; lembremos as palavras de Jesus naquela noite em que conversou em segredo com Nicodemos (Jo 3,8): O Espírito é como [...] o «vento que sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai». 

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