Opinião
14 setembro 2024

Humanoengenharia

Tempo de leitura: 4 min
Precisamos de uma autêntica humanoengenharia, que procura transformar o modo de nos conhecermos através das nossas limitações.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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Se a geoengenharia causa alguma preocupação por não estarmos totalmente cientes da reacção do planeta ao suposto controlo da radiação solar, conseguem imaginar a reacção à alteração do cerne da existência humana com o transumanismo [termo popularizado pelo biólogo e filósofo inglês Julian
Huxley em 1957], que muitos pretendem realizar em si próprios?

O transumanismo é um movimento filosófico e científico que defende o uso de tecnologias avançadas para melhorar as capacidades físicas, cognitivas e emocionais dos seres humanos, com o objectivo de transcender as limitações naturais da condição humana. Este movimento abrange uma ampla diversidade de ideias, desde a modificação genética e a integração de dispositivos cibernéticos no corpo humano, até à eventual superação da morte através da fusão entre homem e máquina incluindo ferramentas de inteligência artificial.

Os transumanistas acreditam que a evolução da tecnologia pode, e deve, ser utilizada para promover o progresso humano, criando uma nova era na qual a doença, o envelhecimento e outras fragilidades naturais possam ser mitigadas ou até eliminadas. É uma visão do ser humano que me faz recordar a personagem do matemático Ian
Malcolm no filme Parque Jurássico a dizer que o facto de podermos fazer algo não quer dizer que o devamos fazer. Será o transumanismo um próximo passo na evolução humana ou na sua extinção? Qual a questão profunda por detrás da mudança da essência humana no sentido da sua artificialização?

O franciscano Paolo Benanti, no seu livro Digital Age, diz que «a ideia de modificar o próprio corpo [...] não é somente o fruto da possibilidade técnica [...], mas também do desenvolvimento de uma [...] cultura sintética.» Segundo Benanti, o ser humano que pretende melhorar-se por via desta cultura torna-se, por sua vez, num ser humano sintético, originando a necessidade de uma antropologia pós-humana ou transumana. É como se o ser humano pudesse ser maleável graças à tecnologia e daí nascer no coração das pessoas o desejo de realizar alguma engenharia em si mesmas para ultrapassarem as suas limitações. Gradualmente, a noção que temos de ser humano como pessoa converte-se em ser sintético como informação. Podemos pensar neste aspecto como a subversão da noção que temos de nós próprios, mas para mim, que trabalho com a noção de informação em engenharia, sinto ser também uma subversão da noção de informação.

O transumanismo não ataca apenas o aprofundamento do significado da nossa humanidade, mas também ataca noções que sabemos serem positivas para compreender o mundo que nos rodeia, como seria o caso da noção de informação. 

Precisamos antes de uma autêntica humanoengenharia que não procura a transformação de nós próprios sinteticamente, mas transformar o modo de nos conhecermos através das nossas limitações.
A engenharia existe para resolver problemas, mas exige conhecer profundamente a sua causa. Exemplo: quem de nós sente ser ilimitado na capacidade de amar? Mas, feitos à imagem de Deus, não somos chamados a isso? Questões de humanoengenharia.  

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Setembro 2024 - nº 749
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