Opinião
01 setembro 2019

Sufocar o futuro

Tempo de leitura: 4 min
Cada um de nós, como nos lembra o Papa Francisco, é guardião da Casa Comum.
Bernardino Frutuoso
Director
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As imagens dantescas da Amazónia a arder causaram comoção mundial. Os pulmões do nosso planeta estavam a arder e sentimos que o nosso futuro se estava a sufocar – a Amazónia produz 20% do oxigénio do planeta. Como advertem os especialistas, a Amazónia é fundamental para a estabilidade ambiental do planeta e para a luta contra as mudanças climáticas.

A Amazónia é um sistema de vida complexo e dinâmico. É a maior floresta tropical, o maior centro de biodiversidade do mundo – alberga 10% de todas as espécies conhecidas de animais e plantas –, uma região multiétnica (onde habitam mais de 400 povos autóctones), multicultural e multirreligiosa. Este bioma tem sido devastado desde a década de 1970, com o início da construção da auto-estrada conhecida como Rodovia Transamazónica. A essa época remontam os processos de desflorestação intensivos, que se têm perpetuado a um ritmo mais ou menos constante, fomentados pelo agro-negócio e o extractivismo. Entre 1970 e 2008, a área desflorestada na Amazónia foi de mais de 726 mil km² – ou seja, 20% da sua área, o equivalente a mais de 815 vezes o Parque Natural da Serra da Estrela. A desflorestação da Amazónia não é, portanto, um fenómeno recente. E, sem políticas ambientais adequadas, continua a avançar. No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre Julho de 2018 e Agosto de 2019 foram desmatados na Amazónia 6833 quilómetros quadrados, um crescimento de 49,5% em relação ao período homólogo do ano anterior. E os fogos, relacionados com desflorestação e a falta de fiscalização, aumentaram este ano em 83%, registando-se 72 843 incêndios até 19 de Agosto.

Ante este desastre socioambiental reagiu a Igreja latino-americana, nomeadamente através do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), que publicou uma nota intitulada Levantamos nossa voz pela Amazónia. No texto, os bispos da América Latina e Caraíbas expressam «preocupação sobre a gravidade dessa tragédia que não é só de impacto local, nem mesmo regional, mas de proporções planetárias». A esperança pela proximidade do Sínodo Pan-Amazónico – que se realizará em Outubro em Roma – vê-se agora «embaçada pela dor dessa tragédia natural. Aos irmãos povos indígenas que habitam esse amado território, expressamos toda a nossa proximidade e unimos nossa voz à sua para gritar ao mundo pela solidariedade e a rápida atenção para deter essa devastação», sublinham os prelados.

Sabemos que aquilo que acontece na Amazónia não concerne somente à região, mas tem um alcance global. O instrumento de trabalho do sínodo adverte profeticamente: «Na Floresta Amazónica, de vital importância para o planeta, desencadeou-se uma profunda crise por causa de uma prolongada intervenção humana, onde predomina uma cultura do descarte (LS 16) e uma mentalidade extractivista.» Cada um de nós, como nos lembra o Papa Francisco, é guardião da Casa Comum. Estamos chamados a defender a Amazónia, preservando a sua biodiversidade, os seus povos e a cultura do bom viver que eles assumem – a salvaguarda das terras indígenas é a melhor política contra a deflorestação. Para isso, necessitamos viver um processo de «conversão ecológica» e apoiar, com responsabilidade e criatividade, as iniciativas e acções que visam a protecção da Amazónia. Só assim manteremos vivo o pulmão da Humanidade e não sufocaremos o futuro das próximas gerações.

 

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Editorial
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