Esta manhã ponderava se Deus seria um Maestro de uma grande orquestra chamada Universo onde todos podem improvisar e gerar uma Sinfonia em vez de cacofonia. Seria a Sinfonia que emerge da liberdade de todos poderem improvisar e fruto da complexidade relacional existente e da qual fazemos parte. Na prática, devido à rede de relações que permeia o mundo, todos caminhamos juntos e tocamos notas feitas de escolhas. Na Natureza, as escolhas são biológicas, mas no ser humano deveriam ser conscientes. Em Deus, as escolhas são um Mistério como realidades escondidas que nos atraem a uma vida cada vez mais profunda. Que sinfonia quer Deus orquestrar de cada vez que celebramos o nascimento de Jesus?
As ruas enchem-se de luzes desde Novembro. O primeiro pensamento foi de alguma perplexidade porque a celebração do Natal ainda distava de mais de um mês. Seria o anseio pela festa do Emanuel, Jesus, Deus-connosco? Ou seria a habitual febre do consumo subjacente à versão mais laica desta época? Gostaria que a resposta fosse sim à primeira pergunta e não à segunda, mas no fundo sabemos ser o contrário. Por isso, o desafio diante de nós em cada ano que passa é o equilíbrio saudável entre os anseios do mundo e as razões profundas que afectam a nossa existência.
Deus, que se faz um de nós e morre, afecta a minha existência porque descobrir as razões de tal escolha parecem ser um manancial natalício de reflexão infindável. Se Jesus não tivesse nascido, o mundo não seria o mesmo. O coração humano sem o Coração de Jesus talvez fosse mais selvagem. E a mudança que a sua breve existência humana realizou na evolução da nossa espécie parece-me ser a revolução do amor que quebra todas as barreiras, mais cedo ou mais tarde. Dada a aceleração que tenho assistido neste ano de 2024 que está prestes a terminar, reflectir sobre a síntese do nosso coração ao Coração de Jesus é um bálsamo de lentidão que nos ajuda a parar para estarmos mais conscientes do rumo que estamos a seguir na história humana.
O Papa Francisco tem uma expressão na carta encíclica Amou-nos (Dilexit Nos) que considero muito forte: «Tudo está unificado no coração, que pode ser a sede do amor com todas as suas componentes espirituais, psíquicas e também físicas» (DN, 21).
A complexidade que existe no mundo natural nasce do facto de tudo estar relacionado com tudo, um aspecto central já presente na carta encíclica Laudato Si’, mas qual o fruto desses relacionamentos além da complexidade dos sistemas? Penso que seja a unidade em torno de um Coração que significa todo o pulsar proveniente da relacionalidade existente neste universo.
Os ritmos a que batem os nossos corações são diferentes. Por vezes, as ondas anulam-se quando os pulsares são opostos. Por vezes ampliam-se de tal forma que entram em ressonância e podem levar à ruptura.
Quando penso no nascimento de Jesus, Deus-Trindade oferece um só Coração ao mundo que inclui todos os pulsares, por mais diferentes que sejam. Coração que se revela sinfonia transformativa de unidade na diversidade.
Miguel Panão é professor na Universidade de Coimbra, autor do livro Tempo 3.0 – Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo.