Opinião
10 janeiro 2025

Da terra das origens

Tempo de leitura: 4 min
Nesta coluna mensal conto escrever crónicas do que de mais lindo e melhor acontece e se faz em África intercalado com algumas estórias do meu viver.
P. José Vieira
Missionário Comboniano
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Cheguei à Etiópia pela primeira vez há trinta e um anos. Nessa altura, o país apresentava-se aos visitantes como a pátria de «Treze meses de sol». A frase publicitária jogava com o facto de o ano etíope ter treze meses: doze de trinta dias e um de cinco (ou seis, se o ano universal for bissexto) para acertar as contas com o calendário solar. 

Agora, a saudação transformou-se. «Bem-vindos à Terra das origens!», dizem. O novo chavão prende-se com o facto de na Etiópia se ter encontrado há precisamente meio século o esqueleto humanóide fossilizado mais antigo e completo à data. Pertencia a uma fêmea, baptizada de Dinkenesh – Lúcia em amárico, a Eva dos paleoantropólogos. Don Johanson, o paleontologista norte-americano que encontrou os fósseis, contou à CNN que nessa noite estavam a ouvir a canção «Lucy and the Sky with Diamonds» dos Beatles e alguém sugeriu chamar Lucy ao achado.
O nome pegou!

O fóssil do antepassado entre o símio e o humano tem cerca de 3,2 milhões de anos e veio revolucionar a percepção da evolução: antes pensava-se que os nossos antepassados na cadeia da evolução ainda eram quadrúpedes (caminhavam com pés e mãos), mas Dinkenesh é definitivamente bípede. Mede cerca de um metro de altura e pertence à nova espécie Australopitecus afarensis (de Afar, a região onde foi encontrada, uma das áreas mais baixas e quentes do globo). Uma cópia dos quarenta e sete ossos encontrados encontra-se exposta na Museu da Universidade de Adis-Abeba. Entretanto, na mesma região, e dez anos depois, foram encontrados os restos de humanóides com mais de 4,5 milhões de anos, catalogados com o nome de Ardipithecus ramidus. A Etiópia é, de facto, a terra das nossas origens, um paraíso na Terra.

Viver na Abissínia é uma experiência humana e religiosa única. Regressei ao país há três anos e encontrei-o profundamente transformado. Duas décadas de grande progresso e industrialização levaram a electricidade e a rede móvel até aos seus recantos, o asfalto é carpete negra estendida por todo o país, o ensino superior foi democratizado. Os Etíopes vivem melhor e a população duplicou, de 63 para 126,5 milhões (os dados são do Banco Mundial).

Três anos volvidos, volto ao convívio regular com os assinantes e leitores da Além-Mar. Honra-me o convite renovado do seu director. Desta feita, mais do que escrever sobre a África, escrevo desde África. Um observatório e um centro de interpretação diferentes. Nesta coluna mensal conto escrever crónicas do que de mais lindo e melhor acontece e se faz em África – o Continente Negro está cheio de boas notícias que merecem ser proclamadas –
intercalado com algumas estórias do meu viver, uma espécie de entrelace do missionário com o jornalista que sou. Onde vivo – a missão de Qillenso, com o povo Guji, entre a montanha verdejante e as terras baixas e mais secas de Adola – a cobertura da rede móvel é intermitente. Espero que a Ethiocom melhore o serviço para poder dizer presente mensalmente. Sem sobressaltos.  

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Janeiro 2025 - nº 753
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