Opinião
09 fevereiro 2025

Quando as palavras mudam tudo

Tempo de leitura: 3 min
A leitura ensina-nos a compreender perspectivas distintas, questionar injustiças e conceber soluções criativas.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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Queres salvar o mundo? Lê mais. O ser humano não nasceu preparado para a leitura. Temos pernas para caminhar, mas ler requer aprendizagem. A dislexia, que afecta muitas pessoas, reflecte a inexistência de circuitos cerebrais específicos para decifrar símbolos escritos. Ainda assim, sempre que lemos ocorre um pequeno milagre: o cérebro transforma-se. A cada palavra ou ideia absorvida num livro, artigo ou revista, surge uma nova sinapse — ligação entre neurónios que transmite impulsos químicos ou eléctricos — ampliando o nosso potencial de gerar pensamentos originais.

Num workshop inspirado no meu livro Tempo 3.0, perguntei aos jovens quantos livros leram em 2024. Alguns disseram um ou dois; poucos chegaram a três, e apenas um referiu quatro. Imaginei a reacção se confessasse ter lido perto de cem. Seria arrogância ou inspiração? Nenhuma. Queria apenas partilhar como a mente respira quando mergulha em páginas repletas de histórias, ideias ou reflexões.

Não devemos ler apenas para nos tornarmos «mais» do que somos, embora tal aconteça pela plasticidade cerebral. Ler serve para exercitar o cérebro, tal como se exercita o corpo. Quem lê pouco continua a pensar, porém, quem lê habitualmente expande a percepção do mundo, questiona a realidade e encontra novos ângulos para contemplar a realidade. Não importa o género literário: ficção, ensaio ou texto técnico. Se estiver bem escrito, cada frase desperta ecos interiores e potencia novos pensamentos.

No livro Words Can Change Your Brain, Andrew Newberg salienta o poder das palavras para moldar pensamentos, emoções e relacionamentos. Palavras positivas fomentam o bem-estar, enquanto as negativas geram tensão e dificultam a comunicação construtiva. Ler mais pode ser o início de uma mudança global, onde cada frase reforça a empatia e expande horizontes.

A leitura ensina-nos a compreender perspectivas distintas, questionar injustiças e conceber soluções criativas. Assim, tornamo-nos mais curiosos e responsáveis, prontos a agir na sociedade.
A suposta falta de tempo é a desculpa comum para não ler, mas, se tivermos uma forte razão, tal como quem usa cada saliência para escalar a parede de uma montanha, cada momento torna-se oportunidade.

Poucos percebem que, ao descuidar a leitura, comprometem a vitalidade intelectual. Por vezes, o hábito surge em períodos difíceis: Inácio de Loyola começou a ler ao ficar acamado, mudando radicalmente de vida; Santo Agostinho, ao ouvir «Toma e lê», encontrou nas Escrituras a inspiração para uma conversão profunda. Malala Yousafzai arriscou a própria vida para defender o direito das raparigas à educação, e nos livros encontrou a força que inspirou milhões, valendo-lhe o Prémio Nobel da Paz aos dezassete anos.

O que a leitura fez por ela pode fazer por nós também. Se queres salvar o mundo, começa por ler mais. Ler é como respirar: indispensável para manter a mente activa, alargar horizontes e ligar universos que, de outro modo, permaneceriam desconhecidos.   

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EDIÇÃO
Fevereiro 2025 - nº 754
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