Opinião
14 março 2025

O diálogo inter-religioso no dinamismo missionário

Tempo de leitura: 3 min
É preciso acreditar mais na força do Espírito que nos delineia vias de encontro e de fraternidade.
Adelino Ascenso
Presidente dos Institutos Missionários Ad Gentes (IMAG)
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É bom recorrer sempre ao n.º 285 da carta encíclica Fratelli tutti e que remete para o Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum, assinado pelo Papa Francisco e pelo Grão-Imã Ahmad Al-Tayyeb, a 4 de Fevereiro de 2019, em Abu Dhabi: na relação entre as religiões, deve-se «adoptar a cultura do diálogo como caminho; a colaboração comum como conduta; o conhecimento mútuo como método e critério» (FT, 285). O conhecimento mútuo obedece à premissa do encontro pessoal, com as portas do coração abertas a diferentes sensibilidades e díspares formas de rezar ou de ansiar pelo divino. De que modo se poderá combinar tal abertura desarmada e incondicional com o dinamismo missionário? E qual será o lugar do diálogo inter-religioso em tal dinamismo? 

Talung é um complexo monástico budista no remoto Tibete, situado a cerca de 120 km a norte de Lhasa, cuja fundação remonta ao século xii. Éramos dois peregrinos: um israelita e eu. Depois de termos sido acolhidos numa pequenina casa de pastores, quando as minhas mãos já estavam a sofrer dolorosamente os efeitos do frio, e de aí termos pernoitado, no meio do fumo e do cheiro a chá amanteigado, prosseguimos a nossa marcha e chegámos às ruínas resignadas daquele complexo budista que, nos seus tempos áureos, chegara a albergar sete mil monges e agora contava com poucas dezenas, encontrando-se em lenta fase de reconstrução do que ficara reduzido a escombros quando a fúria dos homens por ali passara. Foi no meio de tais pedras que travei conhecimento com aquele que viria a tornar-se um amigo muito caro que eu, a partir daquele ano, procurava cada vez que visitava o Tibete.

Via e ouvia o meu amigo tibetano a rezar e rezava com ele; e ele rezava comigo. Havia uma simbiose, sem mistura nem contaminação de qualquer tipo de ingénuo sincretismo. Era a abertura ao «conhecimento mútuo» que nos fazia irmãos na busca do transcendente. Quando nos despedimos, por ocasião da minha última visita, encostámos as nossas testas e procurámos conter as lágrimas. Guardo na memória uma foto dele de mão dada com o seu neto, tendo o vale e as montanhas no horizonte. A sua filha seguia a profissão do pai, tal como este já tinha seguido a da sua mãe: medicina tradicional tibetana, com conhecimentos transmitidos de geração em geração. Na sua oração, ele testemunhava a sua fé; eu procurava fazer o mesmo, sentindo o meu interior sendo rasgado por um fio de luz. Era este o nosso diálogo.

Voltemos à pergunta: qual o lugar do diálogo inter-religioso no dinamismo missionário? Este nasce da paixão testemunhal, sem resvalar, nunca, para as malhas do proselitismo. É preciso acreditar mais na força do Espírito que nos delineia vias de encontro e de fraternidade, forçando a uma escuta dos sinais e dos silêncios. Damo-nos conta de que o diálogo é o caminho. E o diálogo realiza-se entre pessoas concretas, que podem ou não ser explicitamente religiosas. O passo seguinte é a colaboração comum, onde as roupagens institucionais passam a desempenhar um papel meramente secundário.  

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EDIÇÃO
Março 2025 - nº 755
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