Opinião
10 abril 2025

Reinventar a esperança

Tempo de leitura: 4 min
Ancorados na esperança, sendo capazes de a reinventar no quotidiano da nossa vida, os crentes colaboramos activamente na construção de um mundo melhor.
Bernardino Frutuoso
Director
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Esther Hillesum (1914-1943), escritora neerlandesa, filha de judeus não praticantes, é considerada uma das místicas mais destacadas do nosso tempo. Ela viveu a dor da guerra, foi feita prisioneira e levada para Auschwitz, onde morreu com 29 anos. Num ambiente de ódio e intolerância, no meio do sofrimento que avassalava todos os que tinham sido restringidos a um campo de concentração, ela encontrava no seu interior a força divina para ser testemunha de fé, amor e esperança para aqueles deserdados. No meio daquelas sombras, sem perder a capacidade de olhar além do mal que a rodeava, animava os seus companheiros cativos e convidava-os a «reinventar a esperança».

Vivemos num mundo cheio de tragédias, crises, incertezas, guerras – ver páginas 32-41 sobre o conflito na República Democrática do Congo –, medos e sofrimentos. A apatia e o desânimo podem também assombrar a nossa vida. Por isso necessitamos reinventar a esperança, pois como refere o filósofo Byung-Chul Han, «apenas a esperança nos permite recuperar a vida» porque «ela estende o horizonte do significativo, que revitaliza a vida e lhe dá asas. A esperança presenteia-nos com o futuro» (O espírito da esperança: contra a sociedade do medo, 2024). 

Para nós, crentes, a esperança é uma virtude teologal que nos incita a não perder de vista o objectivo último da existência.
A Páscoa, que celebramos este mês, convoca-nos a renovar a esperança de Cristo Ressuscitado, que põe no nosso coração a certeza de que Deus sabe transformar tudo em bem, pois até do túmulo faz surgir a vida. Como referia o Papa Francisco na homilia da Vigília Pascal de 2020, «nesta noite de Páscoa, conquistamos um direito fundamental, que não nos será tirado: o direito à esperança. É uma esperança nova, viva, que vem de Deus. Não é mero optimismo, não é uma palmadinha nas costas, nem um encorajamento de circunstância, com o aflorar de um sorriso. Não. É um dom do Céu, que não podíamos obter por nós mesmos».

Para os discípulos missionários de Jesus, a esperança é também visionária e profética, projecta-nos para a futuro, dá-nos motivação para transformar a realidade e torná-la conforme ao projecto de Deus. Como escreve o Papa Francisco na bula de convocação do jubileu, a esperança é a virtude que imprime «a orientação, indicando a direcção e a finalidade da existência crente. Por isso, o apóstolo Paulo convida-nos a ser “alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração” (Rm 12, 12). Assim deve ser; precisamos de transbordar de esperança (cf. Rm 15, 13) para testemunhar de modo credível e atraente a fé e o amor que trazemos no coração; para que a fé seja jubilosa, a caridade entusiasta; para que cada um seja capaz de oferecer ao menos um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito, sabendo que, no Espírito de Jesus, isso pode tornar-se uma semente fecunda de esperança para quem o recebe». Ancorados na esperança, sendo capazes de a reinventar no quotidiano da nossa vida, os crentes colaboramos activamente na construção de um mundo melhor, mais justo, solidário e fraterno.   

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Editorial
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Abril 2025 - nº 756
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