Opinião
14 abril 2025

Como nos humanizarmos na era da IA?

Tempo de leitura: 4 min
A tecnologia existe para melhorar a vida das pessoas, mas não substitui o que os relacionamentos entre nós conseguem fazer: amar incondicionalmente.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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O que representa para a dimensão espiritual humana o crescente impacto da inteligência artificial (IA) nas nossas vidas? Recentemente, li que uma empresa conseguiu angariar centenas de milhares de dólares para desenvolver uma IA capaz de realizar experiências fisicamente em laboratório, com a «ajuda» dos humanos. O humano para esta empresa é um mero auxiliar do desenvolvimento científico, não o seu protagonista, ainda que a intenção seja a contrária. Pergunto-me se ainda aceitamos a possibilidade de não sermos tudo o que poderíamos ser. 

A primeira fase deste fascínio com a IA passou pela conversa racional e emocional que podemos ter com a máquina, tal como previa Alan Turing no seu «jogo da imitação» [ideia apresentada num artigo que publicou na revista «Mind», 1950]. Se fôssemos incapazes de saber numa troca de mensagens se estaríamos perante algo ou alguém, então significaria que a máquina pensa. Porém, hoje sabemos que uma troca de mensagens é insuficiente. Por isso, a segunda fase em que estamos prestes a entrar é aquela dos agentes de IA com que interagimos, ou que usamos para nos substituir em algumas coisas que não temos paciência para fazer. Da conversa à agência vai um grande salto.

Numa tertúlia em Aveiro em que partilhei algumas ideias sobre «Inteligência artificial: que esperança?», havia quem não concebesse que a máquina pudesse expressar o sentir e agir humano, permeado de amor, sentido e significado. Eu reconheço que esse passo de uma inteligência artificial poder interagir connosco ao nível do sentimento, da ética e da moral precisa de um corpo. Daí que algumas empresas estejam a trabalhar nisso. Porém, ao pensar no assunto apercebi-me de uma coisa. Qualquer bom actor consegue convencer-nos de ser alguém que, na realidade, pode ser completamente o oposto. Por isso, não poderia um robô com inteligência artificial ser um bom actor? O que torna o agir humano inimitável?

Ao ritmo a que está a acontecer o desenvolvimento tecnológico neste campo, creio que poderá ser cada vez mais difícil não acreditar na possibilidade de que o «jogo da imitação» passe também para os relacionamentos com a máquina (como já se vê nos filmes de ficção). Porém, é inequívoco que uma máquina nunca poderá experimentar o que experimenta o ser humano. E a razão é muito, muito simples: a máquina é diferente. Ou seja, dito de outra forma: nós nunca poderemos experimentar o que experimenta a máquina, pela mesma razão: o ser humano é diferente. Podemos «representar» uma máquina como actores de teatro, mas a realidade é inequívoca: nunca saberemos o que é para uma máquina experimentar categorias que habitualmente atribuímos à vida biológica.

Se a máquina começar a substituir-nos no cuidado que temos uns com os outros, então, será a falência daquilo que nos humaniza. A tecnologia existe para melhorar a vida das pessoas, mas não substitui o que os relacionamentos entre nós conseguem fazer: amar incondicionalmente. O amor humaniza-nos. 

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Miguel Panão é professor na Universidade de Coimbra, autor do livro “Tempo 3.0 – Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo” (Bertrand, Wook). Para acompanhar o que escreve pode subscrever a Newsletter Escritos em https://bit.ly/NewsletterEscritos_MiguelPanao

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