Estamos na época do Natal. Nos meios de comunicação social multiplicam-se os apelos às compras e nas ruas percebe-se o frenesim típico desta quadra. Este tempo natalício, efectivamente, espelha bem o estilo de vida da nossa sociedade ocidental, marcado pelo individualismo, o consumo exagerado, a imprevisibilidade e o stress – uma conjuntura que o sociólogo Zygmunt Bauman descreve bem com a metáfora «modernidade líquida».
Perante este novo paradigma social, multiplicam-se as propostas que visam ajudar-nos a encontrar caminhos de paz e bem-estar; sugerem-se estratégias para superar com êxito os desafios da vida quotidiana. Essas propostas passam, por exemplo, pelo uso de fármacos, exercícios para o cuidado do corpo, ioga ou dietas.
Neste contexto de consumismo e ansiedade estrutural, os crentes sabemos que só em Deus encontramos a bússola que orienta a nossa peregrinação histórica. No encontro com Ele encontramos a paz e os motivos para esperar contra toda a desesperança. Mas a fé não nos exclui da experiência da vulnerabilidade inerente à vida. Ajudou-me a compreender essa «mística da vulnerabilidade» a experiência que fiz há uns meses no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polónia. Arame farpado, barracões e crematórios ainda nos falam do horror das vítimas e denunciam a crueldade atroz e o extermínio de mais de um milhão de pessoas apenas por serem diferentes. Mas, paradoxalmente, esse lugar de terror também me fez despontar no coração sinais de esperança e lições de ressurreição. Ali, Maximiliano Kolbe (1894-1941) deu a vida em vez de um pai de família. Ali foi exterminada na câmara de gás Edith Stein (1891-1942), santa co-padroeira da Europa e uma das grandes filósofas do século xx. Ali morreu, em 1943, Etty Hillesum (1914-1943), jovem holandesa de origem judaica e uma mística extraordinária. Foi no meio dessa dor incompreensível que Etty se interrogou sobre o sentido da vida e (re)encontrou Deus no seu interior, como expressa num texto do diário: «Dentro de mim há um poço muito profundo. E lá dentro está Deus. Às vezes consigo lá chegar. Mas acontece mais frequentemente haver pedras e cascalho no poço, e aí Deus está soterrado. Então, é preciso desenterrá-lo.» Condenada a uma morte certa, Etty alicerça a sua vida em Deus, vive uma profunda liberdade interior e recusa entrar na lógica do ódio e da revolta. Sem resignar-se, partilha a sua relação serena e alegre de amor a Deus, conforta e põe-se ao serviço dos outros prisioneiros. Assim, encontra o sentido pleno da vida, até ao ponto de poder expressar: «A vida é muito bela, apesar de tudo é muito bela.»
Jesus Cristo, Missionário de Deus Pai e Mãe, cujo mistério da encarnação celebramos no Natal, assumiu a nossa vulnerabilidade ao fazer-se homem. Fez-se próximo da nossa carne e revelou-nos a lógica da mística da vulnerabilidade: reconhecer e aceitar as nossas vulnerabilidades é o caminho que nos redime, eleva e capacita para abraçar com ternura as vulnerabilidades dos nossos irmãos e irmãs. Só assim descobriremos a beleza da vida, construiremos comunidades fraternas e humanizadoras e irradiaremos no mundo a alegria do Evangelho.
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