Opinião
18 janeiro 2020

Areias perigosas

Tempo de leitura: 4 min
A extracção ilegal de inertes põe em perigo vidas e ecossistemas.
P. José Vieira
Missionário Comboniano
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A areia pode ser um dos elementos mais humildes da Natureza, mas é, depois da água e antes dos combustíveis fósseis, o recurso natural com mais procura mundial. É usada da construção civil à alta tecnologia, na produção de ecrãs para telemóveis e chips para computadores. Tornou-se uma das mercadorias mais escassas e cobiçadas, sendo o terceiro negócio ilegal global mais lucrativo depois da indústria da pirataria e falsificação e do tráfico de drogas.

O crescimento das cidades e das infra-estruturas exige cada vez mais areia para a construção civil. A China e a Índia são os mercados mais vorazes.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) denunciou que a extracção de areia dos leitos dos rios e dos fundos marinhos está a causar problemas ecológicos muito graves e deu origem a uma máfia que controla o comércio da sílica no Camboja, Vietname, Índia, Quénia e Serra Leoa.

«A escala do desafio relacionado com a extracção de areia e cascalho torna-o num dos maiores desafios de sustentabilidade do século xxi», revelou o PNUMA num relatório recente. O organismo calcula que o mercado consome por ano entre 40 e 50 mil milhões de toneladas de inertes com impactos ambientais gigantescos. A areia usada só em 2012 dava para construir um muro de 27 metros de largura por outros tantos de altura ao longo da linha do equador.

Com as minas esgotadas, a indústria tira a areia dos leitos dos rios e dos fundos marinhos. As praias de Marrocos, Quénia, Moçambique e África do Sul estão a ser afectadas pela extracção – muitas vezes ilegal – de areias para a construção local e para exportação.

A Espanha importa areia de Marrocos para refazer as praias das ilhas Canárias e uma empresa chinesa está a explorar areias em Nagonha, na costa moçambicana, exploração que, segundo a Amnistia Internacional, está a pôr em risco a subsistência da comunidade local.

No Quénia, a reconstrução dos mais de 600 quilómetros da ligação ferroviária entre a capital e Mombaça, e a extensão desse porto de mar, usou cinco milhões de toneladas de areias dragadas do fundo do oceano. A extracção põe em perigo as praias de Diani, um dos destinos turísticos mais frequentados no Sul do país, e o recife de coral da área, afectando ainda alguns locais de desova das tartarugas marinhas.

A extracção ilegal de areia nos vales de Durban, na África do Sul, está a pôr em perigo os rios locais, o abastecimento de água e a orla marítima de Golden Mile, uma das atracções turísticas mais famosas da zona. Pelo menos onze crianças morreram afogadas nos charcos deixados pelos escavadores de areia e há crianças a operar máquinas pesadas que, além de esventrarem os rios, deixam uma pegada de poluição forte.

Sem areia, não se pode construir. Infelizmente, a dos desertos é demasiado macia para ser usada no betão. Assim, é necessária uma política que regule a exploração sustentável da sílica com estudos de impacto ambiental e o recurso a fontes alternativas – incluindo a moagem de granito e a reciclagem de entulhos – para proteger ecossistemas, florestas, leitos dos rios e praias, que são o ganha-pão para muitas comunidades. O Uganda, que não tem mar, já tem legislação para preservar os ecossistemas da exploração da areia. 

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