Opinião
05 fevereiro 2020

Novo Sudão

Tempo de leitura: 4 min
A Primavera sudanesa parece consolidar-se.
P. José Vieira
Missionário Comboniano
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Os cristãos do Sudão voltaram a celebrar em público o Natal depois de oito anos de pausa. O Governo repôs o feriado natalício que Omar al-Bashir suspendeu em 2011 por causa da independência do Sudão do Sul. O primeiro-ministro, Abdallah Hamdok, tuitou: «Este é o Sudão com que sonhamos. Que respeita a diversidade e permite que todos os cidadãos sudaneses pratiquem a sua fé num ambiente seguro e dignificante.»

A Primavera sudanesa está a consolidar-se depois da ameaça de um Inverno de violência quando os soldados da RSF, a Força de Apoio Rápido, tomaram conta das ruas da capital, apoiados pela Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. As milícias baggara atacaram os civis que bloqueavam as ruas de Cartum em Junho passado e mataram cerca de 130 pessoas.

O Conselho Militar de Transição e o movimento civil Forças para a Liberdade e Mudança fizeram um acordo de partilha do poder apadrinhado pelos países vizinhos a 17 de Agosto de 2019, abrindo caminho para um governo civil de transição de 39 meses chefiado pelo economista Abdallah Hamdok. O Governo, que tomou posse no início de Setembro, está empenhado em criar as bases para um Sudão novo, multiétnico e democrático.

O comboniano espanhol Jorge P. Naranjo vive no Sudão há doze anos e dirige a Faculdade Comboni de Ciência e Tecnologia em Cartum. Diz que o Governo arregaçou as mangas e luta para levantar o país, que parecia cair a pique, sem solução.

«O director-geral do Currículo Educativo anunciou no início de Dezembro as reformas sobre as quais a sua direcção-geral está a trabalhar e que devem estar prontas para o próximo ano lectivo, que começa em Junho de 2020. O Alcorão, que estava presente em múltiplas horas semanais de religião e em todas as outras disciplinas, vê-se limitado a duas horas nas aulas de religião e à disciplina de língua árabe», escreve.

Em Outubro, o Governo retirou 10 mil soldados que combatiam no Iémen na coligação saudita e mantém negociações com os movimentos rebeldes mediadas pelo Sudão do Sul. As agências humanitárias podem finalmente assistir as gentes dos Montes Nubas e o Estado do Nilo Azul, áreas fustigadas pela aviação militar desde meados de 2011. O Darfur, contudo, continua tenso e com mais de dois milhões de deslocados.  

O NCP, o partido de Al-Bashir, foi desmantelado e o ex-presidente julgado por ter 90 milhões de dólares em casa. Foi condenado a dez anos de prisão, mas tem mais de 70 anos e vai passar apenas dois numa instituição correccional. Contudo, continua à mercê dos juízes, porque foi acusado de crimes no Darfur juntamente com mais 52 figuras do seu regime. Aliás, um grupo de darfurianos quer que o Governo o entregue ao Tribunal Penal Internacional para ser julgado por genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade.

A crise económica que provocou a queda do regime de quase trinta anos de al-Bashir continua por resolver e o Governo promete mudanças no sistema bancário coordenadas pelo Banco Mundial. Mas o comboniano português P.e Feliz Martins, que está no Sudão desde 2006, é optimista: «Isto vai muito, muito devagar. Passamos muitas horas por semana nas filas do pão e do combustível. Mas ouvem-se palavras bonitas e vê-se muito bom esforço nos grandes do Governo. A democracia é uma educação, uma cultura que leva muito tempo e paciência.» Que assim seja! 

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