Ela tinha passado por nós pouco antes; no seu passo rápido, a mochila, maior do que muitas das nossas, parecia nem lhe pesar nas costas. Caminhava sozinha. O seu destino era o mesmo – Fátima –, mas contou-nos, quando a encontrámos mais adiante a descansar sentada numa pedra, que depois de uma paragem em Fátima, ela ia continuar rumo a Santiago de Compostela. Na conversa, a sintonia foi imediata. Bastava aquele sentir que estávamos a fazer o mesmo caminho, rumo à meta comum. Partilhávamos o mesmo gosto de avançar pelos carreiros que atravessavam os campos ao longo do Tejo, partilhávamos o pó, e a canseira da caminhada. Era fácil, e sabia bem conversar ao longo do caminho.
Os dois discípulos que caminhavam para Emaús, ignorando que Jesus tinha ressuscitado nessa mesma madrugada, devem ter experimentado isso mesmo, ao verem aquele peregrino que se juntava a eles com vontade de partilhar o caminho e a fadiga. E, tal como eles, o novo peregrino gostava de conversar.
Quando os alcançou, disse: «De que é que vão a falar com tanto empenho?» «Ora essa! – terão dito –, pois de que é que havíamos de falar? Do que todo o mundo fala hoje!» E o peregrino, «De quê?» Diz a história que pararam embasbacados a olhar para ele: «Deves ser o único forasteiro em Jerusalém que não sabe o que lá se passou nestes dias!...» E ele fez de conta que não sabia mesmo; ajudava-os assim a fazer o esforço de lembrar e contar de novo a história de Jesus, de como ele tinha passado entre nós, fazendo o bem, da grande esperança que tinha acendido no coração de muita gente do povo e de como, afinal os chefes religiosos, políticos e militares se tinham aliado para o prender, e condenar à morte. Aquele Jesus que tinha dado esperança de vida nova a tantos, tinha acabado numa cruz. Já corria o terceiro dia, e as histórias que começavam a circular nessa madrugada – Maria Madalena que dizia ter visto alguém, e Pedro e João que tinham visto o túmulo vazio – eram, com certeza, invenções geradas pela imaginação de amigos que não conseguiam aguentar tanta dor.
E o terceiro peregrino, aceite como amigo porque partilhava o mesmo pó do caminho, lá os foi ajudando, primeiro a lembrar e contar o que tinham experimentado. E não teve receio de os desafiar a procurar nas Escrituras: «Se esse Jesus era um enviado de Deus, decerto a Palavra de Deus vos dará a chave para entender a verdade profunda do que aconteceu.» Com a Palavra de Deus, vão descobrir que esse Mestre bom da Galileia não era só uma história linda que teve um trágico fim, era muito mais! E começou a recordar-lhes as palavras da Lei de Moisés e dos Profetas (a Bíblia) que se referiam a Ele.
Caminhar com eles, partilhar o mesmo esforço, a mesma fadiga rumo à meta comum, tinha aberto aqueles corações a escutarem-se uns aos outros com simpatia. Talvez ainda não entendessem tudo, e certamente não conseguiram saber quem era esse peregrino que tinha vindo caminhar com eles. Mas, como haviam de reconhecer mais tarde, quando ele falava, «o coração ardia-nos no peito».
O terceiro peregrino e os seus dois amigos fazem-me pensar que, nos momentos de dor e ansiedade – seja pela morte de uma pessoa amada, seja pela ânsia de uma epidemia – é a capacidade de caminhar juntos, partilhando o suor e a poeira dos carreiros, que abre o coração à fraternidade e dá força para chegar juntos à meta.
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