Quando o Facebook surgiu, muitas pessoas faziam comentários reactivos ao que os seus amigos partilhavam. Comentários genéricos como “fixe!,” “excelente!,” “lindo!”, isto é, curtos e que acabavam por ocultar comentários mais interessantes e longos. Assim, surgiu o botão “Like” ou “Gosto,” como solução técnica simples para eliminar as reacções e estimular as ponderações presentes através de comentários mais profundos e pensados. A intenção era nobre, mas ninguém poderia prever o seu efeito secundário.
A própria palavra “Gosto” implica uma avaliação daquilo que se gosta, semelhante ao que acontece quando submetemos uma pintura a um júri de uma galeria, ou uma canção a concurso num festival, etc. A palavra “gosto” surge como validação de que o partilhado tem valor. E como associamos muito o que fazemos ao que somos, implicitamente, consideramos a opinião que dão daquilo que partilhamos como uma validação de nós próprios. Foi o que aconteceu, inesperadamente, com o botão “Gosto” do Facebook, transformando, profundamente, a psique das pessoas e o modo como interagem nas redes sociais, tornando-se no principal indicador de validação que actualmente temos na sociedade. Basta pensar em como o que aparece no Facebook ou Twitter dos políticos faz parte dos noticiários.
Este design digital começa a entrar noutros circuitos de comunicação. Por exemplo, eu diria que o mesmo está a acontecer com o WhatsApp que, não sendo uma rede social, acaba por sofrer da mesma dificuldade técnica dos comentários ininterruptos que surgem depois de alguém partilhar alguma coisa. Em alguns grupos, se quisermos ver a que mensagem se referem os comentários precisamos de ir muito acima e perde o valor daquilo que se pretendeu comunicar. Ou seja, gradualmente, essa ferramenta de comunicação começa a servir de validação daquilo que partilhamos com um grupo mais restrito de pessoas. Pelo que, sabendo que essa App é da empresa Facebook, o mais certo é que um dia a fricção gerada pelas reacções às mensagens leve a novos designs que incluam pequenos ícones de validação que tornem o WhatsApp algo híbrido entre um Facebook e um Twitter, para grupos mais restritos de pessoas, transformando a comunicação em mais uma forma de validação.
O desafio é que todos estes instrumentos de comunicação que diminuem a fricção na transmissão de conteúdos, levam-nos a um comportamento de partilha compulsiva e com conteúdos cada vez menos profundos e banais. A comunicação digital é um modo valioso de construir comunidades globais que produzam transformações sociais positivas. Basta pensar naquilo que fazia Fred Rogers (1928-2003) com o seu programa para as crianças nos Estados Unidos, explorando temas profundos e criando uma empatia inconfundível que fascina qualquer pessoa independentemente da sua idade.
O modo de enfrentar o desafio da mudança social inesperada subjacente a cada tecnologia nova – Determinismo Tecnológico – é o de avaliar os seus efeitos no tecido social com mais frequência. Caso contrário, em vez de termos algo nas mãos que estende as nossas capacidades, passamos a ser nós que somos aprisionados por “aquilo que a tecnologia quer,” parafraseando o título do livro de um dos fundadores da revista de tecnologia Wired, Kevin Kelly.
Se o efeito que a tecnologia tem ao nível social é complexo, mais ainda o é ao nível espiritual, de tal modo que a perda da noção de profundidade, que está na base de qualquer experiência espiritual, põe em risco a evolução dessa dimensão da natureza humana. Nesse sentido, vale a pena estar atento à tecnologia que nos muda, de modo a que seja sempre para melhor.
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