O novo coronavírus ainda anda por aí à solta. Itália – depois da China – foi o país onde a covid-19 mais arrasou primeiro. Do Norte deste país que me acolhe, foram chegando os gritos de um povo a ser contaminado aos milhares e a morrer. As medidas políticas de excepção (expressas no estado de emergência) vieram quando o mal estava espalhado e os hospitais não tinham nem pessoas, nem meios, nem espaço para fazer frente a tal calamidade. O resto da história todos o conhecemos, pois sofremos o suficiente e ainda está para vir o que é preciso enfrentar.
Redescobriu-se uma Igreja doméstica, pudemos perceber melhor o espaço a dar ao silêncio (o cardeal Tolentino disse que «os lugares de silêncio são terras de ninguém, como o Sábado Santo»), à meditação pessoal, compreendemos como é importante o exercício criativo da caridade, como é decisivo abrir o coração e encontrar razões de viver em contextos de crise profunda e de tragédia, como somos capazes de dar as mãos e fazer caminho com pessoas e instituições com as quais não nos identificamos… este será, certamente, um dos maiores ganhos missionários para aprofundar no pós-covid-19.
Cada tragédia obriga o dia seguinte a ser radicalmente diferente. Quando falam em «voltar ao normal», eu fico assustado, pois não quero fazer uma viagem de regresso ao passado. Podemos melhorar, devemos criar um mundo novo.
Cruzando A Alegria do Evangelho com a Querida Amazónia, passando pela Laudato Si’ e por todas as intervenções (tão fortes, tão interpeladoras…) do Papa Francisco, gostaria de lançar algumas linhas de abertura a um futuro missionário diferente: vamos apostar num estilo de vida mais simples, mais fraterno, mais inclusivo, mais ecológico. Vamos tentar reduzir o fosso entre ricos e pobres. Vamos apostar mais na saúde e educação do que nas armas, na droga e nos tráficos humanos. Vamos anunciar e viver com coragem um Evangelho que é libertador de todas as formas de opressão, cruzando as bem-aventuranças com as parábolas do bom samaritano e do juízo definitivo. Ousemos construir projectos de desenvolvimento e solidariedade com as comunidades humanas e eclesiais mais pobres do planeta. Deitemos fora dos hábitos quotidianos tudo o que é ecologicamente negativo. Tentemos investir cada vez mais na Igreja doméstica e numa caminhada de fé que faça dos cristãos cidadãos responsáveis e comprometidos.
Em suma, como pediu o papa naquela Praça de S. Pedro vazia em Domingo de Ramos da Paixão: «A vida não serve se não se serve os irmãos. [...] Não tenham medo de dar a vida a Deus e aos outros. Digam sim ao amor sem ‘ses’ nem ‘mas’. Não pensemos só naquilo que nos falta. Pensemos no bem que nós podemos fazer.» Ou então, tomemos a sério e a rigor o Plano para Ressuscitar que Francisco apresentou à revista Vida Nueva, com propostas e temas que não devemos contornar: salário mínimo universal, perdão da dívida externa, apoio aos pactos sobre migrações e acordos sobre as mudanças climáticas.
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