O bispo Pedro Casaldáliga faleceu recentemente e, ao revisitar os seus escritos, encontrei esta bela poesia sobre o tempo e a esperança activa: «É tarde / mas é nossa hora. / É tarde / mas é todo o tempo / que temos à mão / para fazer futuro. / É tarde / mas somos nós / esta hora tardia. / É tarde / mas é madrugada / se insistimos um pouco.» Nestes tempos complexos de pandemia, impõe-se a distância de segurança entre as pessoas e as nossas vozes são moduladas pelas máscaras que nos tapam o rosto e criam barreiras comunicacionais e afectivas. Despertam-se no planeta novos temores, incertezas, isolamentos e aflições. Acentuam-se os males sociais endémicos (fome, desemprego, racismo, corrupção...) e aumenta a desigualdade social. Podemos, por isso, ser tentados a considerar que não vivemos um kairós, um tempo de Deus, e permanecer apáticos.
Na mensagem para o Dia Mundial das Missões (ver páginas 18-20), o Papa Francisco sublinha, precisamente, que compreender «aquilo que Deus nos está a dizer nestes tempos de pandemia torna-se um desafio também para a missão da Igreja». E convida-nos a não adiar para outra hora o discernimento e a acção missionária: «Desafia-nos a doença, a tribulação, o medo, o isolamento. Interpela-nos a pobreza de quem morre sozinho, de quem está abandonado a si mesmo, de quem perde o emprego e o salário, de quem não tem abrigo e comida.» E o papa salienta que «longe de aumentar a desconfiança e a indiferença», esta condição provocada pela covid-19 «deveria tornar-nos mais atentos à nossa maneira de nos relacionarmos com os outros» e com Deus.
Portanto, neste contexto de metacrise, sabemos pela fé que este não é o tempo para adiar ou suspender a vida, mas é a hora de Deus, um tempo favorável para redescobrir o poder da esperança e a alegria de nos comprometermos com a vida. Os milhares de missionários dispersos pelas periferias do mundo são um sinal desse compromisso evangélico. Foram, como todos nós, sacudidos por esta imprevista tempestade global, mas, no meio da vulnerabilidade, do sofrimento e do medo, permaneceram nos seus lugares e testemunharam (mesmo perdendo a vida) o amor oblativo e o serviço desinteressado aos mais necessitados – nestes meses multiplicaram-se nos cinco continentes, sobretudo no Sul do mundo, os compromissos e projectos sociocaritativos da Igreja universal. Os missionários são rostos próximos, samaritanos e visíveis da Igreja e realizam, na simplicidade e gratuidade do serviço quotidiano, a revolução do cuidado que o Papa Francisco nos convida a fazer.
No hoje da Igreja e da História, todos os discípulos de Jesus, com o Evangelho na mão e no coração, sabem que a vida é missão. Convocados, enviados e fortalecidos pelo Espírito Santo, são Igreja em saída, homens e mulheres que proclamam o Reino de Deus com alegria e audácia até aos confins da Terra, testemunham a fé e o amor de Deus e constroem com humildade, dedicação e criatividade um futuro melhor para todos. Contribuem, assim, para tornar realidade o sonho de Deus para a Humanidade: conseguir com que todas as pessoas tenham vida e vida em abundância.
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