As alterações climáticas representam uma ameaça grave para o património material e imaterial da Humanidade edificado pelos africanos em mais de três milénios. O alerta vem da Azonia, uma revista sobre investigação arqueológica no continente.
O estudo Património africano num clima em mudança, publicado em Julho, nota que a comunidade científica não está a dedicar a atenção devida à pressão do tempo sobre o património arqueológico, histórico e vivo, através da subida do nível dos mares e dos episódios climáticos extremos muito mais frequentes e violentos.
O aquecimento global pode aumentar em três graus a temperatura do planeta até ao fim do século, o nível do mar vai subir de um a dois metros e as águas vão alagar 240 metros da orla marítima. Dentro de trinta anos as costas da Gâmbia, Nigéria, Togo, Benim, Congo, Tanzânia e Comores vão sofrer forte erosão devido à subida do Atlântico. Além de afectar o património histórico costeiro, o fenómeno vai obrigar à mudança de milhões de pessoas. Metade da população urbana da África Ocidental vive em cidades à beira-mar.
A pressão da erosão marítima no património já se nota no Mediterrâneo e no Atlântico e ameaça os fortes e castelos construídos nos 500 quilómetros da Costa do Ouro, no Gana, entre os séculos XV e XVIII por Portugal, Espanha, Dinamarca, Suécia, Holanda, Alemanha e Inglaterra para proteger o comércio do ouro, primeiro, e dos escravos, depois.
Um número de cidades muito antigas construídas sobre corais, lama e areia nas costas do Mar Vermelho e do Índico também podem vir a desaparecer. Suakin (com 3000 anos), no Sudão, Lamu (com 700 anos), no Quénia, e muitas medinas das ilhas Comores encontra-se fortemente ameaçadas tal como outros burgos históricos no litoral de Moçambique, Tanzânia e Madagáscar.
Os episódios climáticos extremos (tempestades, chuvas torrenciais, secas prolongadas e ondas de calor) também prejudicam o património por causa das inundações e do aumento da temperatura e da humidade.
Por exemplo, as grandes cheias do Nilo, provocadas pelas chuvas torrenciais, ameaçam as pirâmides de al-Bajrawiya, no Sudão – que têm mais de 2300 anos (na foto). No Mali, a grande mesquita de Djenné, construída em tijolos de barro, também está em perigo. As constantes inundações da planície do rio Bani (um afluente do Níger) estão a estragar a qualidade das lamas usadas no seu revestimento e reparação. A cidade, com cerca de 2000 casas de adobe, começou a ser construída há 2250 anos.
A rica e variada arte rupestre africana, do Sara e Sahel à Namíbia, está prejudicada pelo aumento da temperatura e da humidade nas cavernas onde os antepassados desenharam cenas do dia-a-dia há mais de 2000 anos. Fungos, micróbios e grandes amplitudes térmicas estão a afectar a estabilidade das faces rochosas onde esse património foi pintado ou gravado.
Por seu turno, os incêndios provocados pelas grandes vagas de calor põem em xeque muitos bosques sagrados, florestas protegidas e verdadeiras reservas de biodiversidade e de plantas medicinais espalhadas pelo continente, juntamente com os seus monumentos religiosos.
As próximas décadas serão críticas para a preservação do património africano, tão importante para a identidade cultural dos povos e para a sua economia.
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