Mais uma vez, fomos surpreendidos por novos atentados perpetrados por fundamentalistas islâmicos. As reacções de condenação não se fizeram esperar. Mesmo dentro da comunidade islâmica.
No mundo ocidental a questão religiosa deixou há muito tempo de ser um assunto primordial. Caminhamos para uma secularização tão extensa que a «enxotámos» para o foro pessoal, intimista e quase «supersticioso» de cada um. Este ateísmo prático está a levar toda a Europa à ignorância cultural, quer da sua própria cultura, quer da cultura islâmica.
A cultura política islâmica difere de qualquer outra – não apenas ocidental, mas também asiática – por uma identificação total da lei religiosa e da lei civil, da religião e do Estado.
Sabe-se que o Islão é uma construção sincrética, isto é, combina princípios e elementos teológicos do Judaísmo, do Cristianismo e do Zoroastrismo.
O que é grandemente proclamado é o Deus absoluto, pura vontade e poder, que fala ao crente por meio do profeta, ou seja, o próprio Maomé. Os fiéis são obrigados a submeter-se – Islão significa submissão – à vontade de Alá, que se manifesta por meio do Alcorão, ditada por Alá através do Arcanjo Gabriel a Maomé e por este a alguns discípulos, depois interpretada pela comunidade político-religiosa – a Umma – por meio da formulação da lei islâmica, a Sharia (a lei positiva islâmica).
Esta cultura religiosa e política é completamente diferente da cristã ocidental, principalmente em dois pontos que são fundamentais: a liberdade humana e a separação clara entre religião e Estado. Se Alá dita, o Deus cristão propõe; se Alá impõe a sua vontade, o Deus cristão fala à razão; se te submeteste à sua vontade, sê-lo-ás para sempre; o Deus cristão deixa-te livre para ir, és livre para dizer não. A liberdade religiosa é tanto a liberdade de rejeitar a religião quanto a livre escolha de qualquer outra religião.
A cultura ocidental passou por um processo de purificação e edificação. A liberdade religiosa – o arquétipo e fundamento da toda a liberdade humana – foi conquistada na Europa por meio de lutas sangrentas e seculares. A cultura política europeia foi construída sobre a herança cristã, muitas vezes contra a própria Igreja.
Hoje, a cultura política islâmica e a europeia são muito diferentes. Esta não é uma guerra religiosa, mas um conflito de civilizações. Só com diálogo é que conseguiremos chegar a consensos. O foco deve ser o que as religiões têm em comum: o ser humano como um todo e a sua felicidade. Só um islamismo mais moderado – muito presente em Portugal – conseguirá coabitar na nossa cultura.
A tragédia de Nice confirma a urgência e a complexidade cultural, social e política da questão da migração. A urgência de um combate pela integração cultural respeitando a fé de cada um.
Para que tal aconteça, porém, é importante que a nossa sociedade perceba a importância da religião no espaço público, não negue as suas origens e compreenda a necessidade da vida espiritual na materialidade da vida. Só assim também compreenderá o Islamismo na sua realidade complexa e em constante movimento.
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