Estamos ainda a lutar contra a covid-19 e as suas consequências no âmbito nacional e global. Esta situação de pandemia tem-nos ajudado a ter consciência das nossas vulnerabilidades e limitações como espécie humana. Desperta em nós também a incerteza, a ansiedade e o medo pessoal e colectivo.
Sabemos que o medo é capaz de nos paralisar. Mas também pode ser fonte de inspiração e superação e impulsionar-nos a superar esta metacrise, comprometendo-nos na construção de um amanhã melhor para todos. Entre as prioridades para o futuro estão, sem dúvida, as políticas de recuperação económica, as questões do emprego, da educação e da saúde. No entanto, não podemos esquecer, como alerta o Papa Francisco, que tudo está interligado: crise sanitária, social, ambiental, política, económica e ética. E, assim como as crises estão relacionadas, também o estão as soluções que se possam encontrar.
E neste «novo normal» não podemos esquecer a questão do combate às alterações climáticas – um tema sobre o qual se dissemina tanta desinformação e que suscita tantas polarizações – e as suas consequências negativas, sobretudo nos mais pobres e o Sul global. Em Portugal estamos, precisamente, no processo de elaboração da Lei do Clima. A associação Zero sublinha que, para que essa lei seja eficaz, deve expressar onze pontos essenciais, entre os quais que as decisões políticas em matéria ambiental se apoiem na ciência; que seja criado um órgão independente que se pronuncie sobre planeamento, execução e avaliação da política em matéria de clima; e que se garanta a participação pública na tomada de decisões, propondo mesmo a criação da figura da Assembleia Climática de Cidadãos.
Para salvar a Casa Comum, presente de Deus, temos de repensar o futuro local e globalmente. Impõe-se um novo modelo de desenvolvimento que garanta a prosperidade partilhada, «a justiça e igualdade entre as pessoas, e uma boa relação entre a população e o planeta», como refere António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas. Precisamos, igualmente, de um novo arquétipo económico, que promova o primado do bem comum sobre a ideologia do mercado livre, do extrair, do competir, do consumir ilimitadamente e do crescimento a todo o custo.
Os seguidores de Jesus não somos meros espectadores da História, mas cidadãos que peregrinam no mundo movidos pela fé e a esperança e chamados a levar o amor onde mais se necessita. Esta Quaresma, vivida em confinamento, é um tempo propício para projectar o olhar no amanhã e discernir, com a mente e o coração, os problemas do planeta, vislumbrar soluções e actuar na perspectiva da conversão ecológica integral que nos propõe o Papa Francisco. Estamos chamados a ter «um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático» (Laudato Si’, 111). Necessitamos de uma pastoral ecológica e de uma vivência quotidiana que nos façam avançar numa corajosa revolução cultural (cf. Laudato Si’, 114), protegendo a dignidade de todas as pessoas e cuidando da Casa Comum.
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